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O que levou FHC a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares nos anos 90?

Entenda quais motivos levaram à adesão brasileira ao Regime de Não-Proliferação de Armas Nucleares.
O que levou FHC a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares nos anos 90?Gettyimages.ru / Najlah Feanny/Corbis

O atual Regime de Não Proliferação Nuclear foi estabelecido em 1968, quando foi assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que entrou em vigor em março de 1970.

Atualmente, participam do pacto 188 Estados, ou seja, todos os integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), com exceção da Coreia do Norte, que anunciou sua saída em 2003, Israel, Índia, Paquistão e Sudão do Sul, que nunca sequer assinaram o acordo.

O Brasil, juntamente a Cuba, Timor-Leste e Montenegro foi um dos últimos países a aderirem ao acordo.

Adesão brasileira ao Regime de Não-Proliferação

Em nível interno, a Constituição Federal de 1988 já vedava as atividades nucleares para fins não pacíficos, quando, em 18 de setembro de 1998, pouco antes das eleições presidenciais, a vinculação do Brasil ao tratado foi realizada por Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Anteriormente, FHC havia encaminhado aos então presidentes do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) o tratado que veio a ser aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 65, de 2 de julho de 1998.

Naquela época, o Brasil já fazia parte de outros tratados que que proibiam as armas nucleares, como o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e o Caribe, assinado em 1967 e mais conhecido como Tratado de Tlatelolco. O texto deste tratado foi preparado após a Crise dos Mísseis em 1962.

A adesão de Cuba ao Tratado, anunciada em carta do Presidente Fidel Castro ao Presidente Itamar Franco ainda em 1994, ocorreu em função dos esforços de Celso Amorim à frente do Itamary na época. A ilha foi o último país a ratificá-lo, em 23 de outubro de 2002, banindo legalmente a presença de armas nucleares na região.

Além disso, em 1991, o Brasil, em parceria com a Argentina, inovou ao criar a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) que, junto com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), formou uma aliança para fiscalizar e promover o uso pacífico da tecnologia nuclear de maneira inédita.

Desarmamento nuclear e os mandatos de FHC

Além dos compromissos anteriormente assumidos pelo Brasil, um dos motivos da adesão brasileira ao TNP é considerada a aproximação de FHC, que governou o Brasil entre 1995 e 2002, com o o 42° presidente norte-americano Bill Clinton, que, de 1993 a 2001, recebeu FHC por três vezes nos Estados Unidos.

A adesão ao TNP representou também uma busca da gestão tucana em receber novas diretrizes que tangiam os campos sensíveis de segurança nacional e troca de tecnologia, como é possível observar no acordo para o lançamento de foguetes americanos na base de Alcântara, no Maranhão, celebrado com os EUA em 2000, apesar das críticas recebidas.

No Seminário "50 anos do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares", realizado em março de 2018 pela Fundação FHC, o ex-presidente afirmou que "o Brasil, de alguma maneira, depois de ter assinado esse tratado e depois de vários esforços de negociação entre os EUA e a então União Soviética e os demais países atômicos, tomou uma decisão que foi importante, que foi com relação à Argentina".

Além disso, FHC mencionou que "a possibilidade de uma competição militar entre o Brasil e a Argentina desequilibraria toda a região da América do Sul, e talvez até o Atlântico Sul, como toda a gente sabe a África do Sul também cogitou de fazer armas atômicas, havia muita sede de rumores a esse respeito".

Por fim, também relembrou que "a decisão do Brasil com a Argentina foi pioneira na formação dessa Agência de Vigilância Recíproca" e também foi "provavelmente" influenciada pelas "incitações de vários setores no mundo que queriam estender os tratados de não proliferação".

Na avaliação do então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, não apenas se atendia uma questão de interesse da humanidade, mas a ratificação era a melhor maneira de atender "o melhor interesse nacional" brasileiro.

Raul Jungmann, então ministro da Defesa, "o TNP é um copo meio cheio, meio vazio", já que em 2018 haviam "nove países nucleares, quatro a mais do que em 1970 (quando entrou em vigor), mas poderiam ser muitos mais" sem o TNP.

Apesar dos motivos apresentados, alguns setores criticaram fortemente a ratificação do TNP durante o governo FHC. Segundo Luiz Pinguelli Rosa, professor da UFRJ e membro da Sociedade Brasileira de Física Nuclear, o Brasil se colocou em uma condição "humilhante e subserviente" ao aceitar o tratado sem obter contrapartidas concretas das potências nucleares.

Na Fundação FHC, o General Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe de Segurança Institucional da Presidência da República durante a presidência de Temer (2016-2018), afirmou que é um "adepto fervoroso da não-proliferação".

Para Etchegoyen, "a lógica que sustenta o arsenal nuclear e a lógica que sustenta um país nuclearmente armado é filha da mesma lógica que sustenta o terror" e, por isso, "não deve ter sido por outra causa que em determinado momento recente da história da humanidade se chamava de equilíbrio do terror".

Apesar dos avanços do TNP, boa parte dos acordos ocorridos entre os principais possuidores de armas nucleares ocorreu por meio de acordos bilaterais, como o START-1 (Tratado de Redução de Armas Estratégicas).

Por outro lado, Etchegoyen ainda pontou que "da perspectiva militar a única possibilidade que resta a um país ameaçado como dissuasão é impedir a concentração de forças próxima a ele ou que possam marchar sobre o seu território.

Nesse sentido, lembrou que o "esforço de concentração de todo o aparato militar da aliança que invadiu o Iraque jamais teria sido possível se o Iraque dispusesse de armas nucleares de pequena capacidade" e que foi "por isso que o Irã brigou tanto para preservar o seu programa atômico".

Cabe ressaltar que, em 1981, o assassinato do tenente-coronel José Alberto Albano do Amarante, responsável pelo Programa Nuclear Brasileiro, é relacionado a acordos nucleares entre o Brasil e o Iraque, sendo que "ele foi envenenado por um agente do Mossad que fugiu para a Argentina". 

Durante a Ditadura militar, o Brasil buscou secretamente desenvolver armas nucleares. Por outro lado, desde a redemocratização, o Brasil reforçou seu posicionamento a favor do desarmamento.

Conforme foi noticiado pelo New York Times, o presidente Fernando Collor de Mello simbolicamente fechouCampo de Provas Brigadeiro Velloso, criado no Pará para a realização de testes nucleares secretos.

Conforme mencionado anteriormente, o Presidente Itamar Franco trabalhou para que o Presidente Fidel Castro se integrasse ao Tratado de Tlatelolco e banisse as armas nucleares da América Latina.

FHC, que foi perseguido pela Ditadura militar e viveu no exílio, na presidência continuou as atividades de seus antecessores e tomou a decisão de se vincular ao TNP, sem, no entanto, assinar o Protocolo Adicional, que garantiria maior liberdade de fiscalização para a AIEA.

Lula, que governou em seu primeiro e segundo mandatos entre 2003 e 2010, também não o assinou, ao contrário de mais de 140 Estados que o fizeram.

Posicionamentos brasileiros sobre armas nucleares a partir de 2003

Embora as alterações não tenham sido drásticas entre os governos de FHC e Lula, pois existem, como demonstrado, estruturas legais nas quais o Brasil se inseriu, FHC utilizou o tema para negociar com os EUA e o PT criticou, ainda que timidamente, o atual monopólio de armas nucleares respaldado pelo TNP.

Samuel Pinheiro Guimarães, Ministro de Assuntos Estratégicos durante os governos de Lula e Dilma, lembrou que a conclusão do TNP em 1968 foi para evitar a guerra nuclear, já que partiu da premissa de que os países que se declararam com o direito de possuir armas nucleares obtiveram o compromisso de outros países de não terem armas nucleares a partir do princípio de que iriam se desarmar, o que não ocorreu.

"Os países nuclearmente armados não cumprem a sua parte do tratado", disse Samuel.

Nesse sentido, Samuel ainda ressaltou que não necessariamente os países tenham o desejo atacar outras potências nucleares ao criarem seus arsenais atômicos, mas sim para impedir de serem atacados.

"Por que a então URSS desenvolveu armas nucleares? Porque receava, com razão ou sem razão, sofrer um ataque. E outros países foram desenvolvendo armas nucleares por isto", completou.

Em alguns momentos, Samuel criticou a assinatura brasileira do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e chegou a dizer "não ser impossível" que o Brasil renuncie a ele, lembrando o exemplo da Coreia do Norte, o que levou o Itamaraty a divulgar nota em que nega que o Brasil tenha a intenção de se retirar do acordo.

O ministro de Assuntos Estratégicos lembrou ainda que a Marinha realiza esforços na área nuclear, como é a construção do submarino movido a reator nuclear, que não necessariamente é armado com armas nucleares, mas que enfrenta desafios financeiros e atrasos.

Nesse sentido, ele descreve a possível adesão brasileira ao Protocolo Adicional como "uma violação inaceitável da soberania diante da natureza pacífica das atividades nucleares no Brasil, uma suspeita injustificada sobre nossos compromissos constitucionais e internacionais e uma intromissão em atividades brasileiras na área nuclear".

Para ele, a adesão ao Protocolo seria "humilhante" e não estaria de acordo com a aspiração brasileira de receber um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Ele lembrou da atuação proeminente do Diretor-Geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas, o brasileiro José Maurício Bustani (1997 e 2002), que conseguiu aumentar o número de membros da organização de 87 para 145, reduzindo em 15% o estoque de armas químicas no mundo.

Bustani havia ainda negociado com o Iraque para realizar o monitoramento dos armamentos, o que foi visto como uma maneira de diminuir a pressão americana para a guerra e que o levou a deixar o cargo.

Samuel afirmou que o governo FHC, "segundo consta nos círculos diplomáticos, teria aceito a intimação feita por Colin Powell", e pressionado Bustani a renunciar, mesmo que o mandato conferido a ele não fora concedido pelos Estados Unidos ou pelo Brasil, mas por 145 países.

Por outro lado, ainda no terceiro mês de seu governo, Lula negou apoio à guerra conduzida pelos EUA contra o Iraque com base na suposta alegação de posse de armas de destruição em massa pelos iraquianos.

Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares

Em 7 de julho de 2017, outro tratado foi adotado pela Assembleia Geral da ONU, com 122 votos favoráveis, inclusive do Brasil, que, durante o governo Michel Temer, foi parte dos co-patrocinadores da votação e assinou o tratado que, posteriormente, não foi ratificado.

O Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares não recebeu os votos de 69 Estados, entre eles todos os com armas nucleares e todos os da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), exceto os Países Baixos.

O acordo proíbe exaustivamente as armas nucleares, com o objetivo de levar à sua eliminação total, e entrou em vigor em 22 de janeiro de 2021, três meses após a ratificação efetuada por 50 Estados.

Entretanto, apesar da importância moral de sua aprovação, o acordo é considerado de baixo efeito prático real, já que menos da metade dos Estados da ONU o assinaram. Conforme consulta realizada em 8 de setembro de 2025, 94 nações o assinaram, mas apenas 73 nações efetivamente o integram e assumiram as suas obrigações jurídicas, em sua esmagadora maioria na África, América Latina (incluindo Cuba, Nicarágua e Venezuela) e Sudeste Asiático.