Ana Esther Ceceña: 'O pilar mais forte do narcotráfico está dentro dos Estados Unidos'

Desta vez Rafael Correa conversa com Ana Esther Ceceña, diretora do Observatório Latino-Americano de Geopolítica, abordando a moralidade dúbia que demonstra Washington, que propunha, inclusive, o envio de tropas ao México sob o pretexto da luta contra o narcotráfico e a violência dos cartéis mexicanos. Quando, na realidade, os EUA são o lugar de origem dos armamentos utilizados pelos traficantes de drogas. Mais adiante analisamos o que deseja Trump ao renomear o golfo do México.

A economista mexicana e fundadora do Observatório Latino-Americano de Geopolítica, Ana Esther Ceceña, afirmou no programa da RT "Conversando con Correa" que o mundo enfrenta atualmente uma reformulação e redefinição global que mantém "a disputa pelo controle mundial em seu ponto mais alto".

Para levar adiante essa mudança, indicou a especialista em geopolítica, os EUA e seus países aliados tentam manter a hegemonia global por meio da força e da "aplicação da força militar", que se tornou o elemento com o qual "de alguma forma" estão "marcando as pautas" da "reconstrução dos equilíbrios das fronteiras".

No entanto, Ceceña sustenta que por baixo dessa força bélica está "o subjacente", que é a economia. "A economia também está marcando uma mudança de equilíbrios, uma mudança de possibilidades". Justamente, acrescenta a economista, é neste momento que os EUA enfrentam seu "maior desafio" após a Segunda Guerra Mundial, porque o país norte-americano "ficou com o mundo aberto para seu domínio e controle", depois que a União Soviética começou a enfraquecer.

No entanto, após várias décadas de domínio mundial, os EUA têm vindo a perder o controle global, enquanto diferentes potências emergentes, com poder econômico, cresceram mesmo "em coordenação com a economia dos EUA".

"A China, por exemplo, também cresceu através da aceitação de investimentos norte-americanos em seu país, o que lhe permitiu mudar suas próprias circunstâncias, aprender com a forma como os negócios norte-americanos eram organizados e, a partir daí, avançou de uma forma que ninguém esperava, muito menos os EUA".

Por sua vez, a América Latina e o Caribe, após a queda do muro de Berlim, caíram em letargia e foram pressionados pelos EUA a ponto de converter a região em territórios altamente influenciados e sob os interesses de Washington, fossem governos eleitos democraticamente ou ditaduras militares como as que predominavam na América do Sul.

Novas formas de interferência

Essa situação, acrescentou Ceceña, começou a mudar quando surgiram na América Latina governos com "outras ideias". Como o de Hugo Chávez, na Venezuela, Néstor Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, entre outros.

"Eram ventos diferentes", disse Ceceña, que lembrou que, quando os EUA começaram a perder sua influência na América Latina, sofreram a derrota da "pretensão da ALCA", a Área de Livre Comércio das Américas que Washington pretendia impor. Da mesma forma, as bases militares americanas foram rejeitadas, o que obrigou o Pentágono a mudar sua forma de intervir no continente.

Assim, indicou a especialista, os EUA mudaram suas opções e as intervenções militares diretas passaram a ser golpes suaves, perseguições judiciais, entre outras ações sediciosas e movimentos "menos fáceis de detectar", mas que, embora sejam formas diferentes de intervir, permitem-lhes intrometer-se nos assuntos internos dos países latino-americanos e caribenhos, especialmente "onde há recursos muito valiosos", como o lítio da Bolívia ou o petróleo da Venezuela, para citar alguns.

Agora, os EUA, disse a especialista, retiraram a fórmula anticomunista de sua campanha midiática, embora ela continue fazendo parte de seu discurso, para privilegiar a matriz da suposta luta contra as drogas.

"Hoje eles não vão mais contra o comunismo, agora vão contra o narcoterrorismo", disse a especialista ao se referir à política externa do atual governo de Donald Trump, que chegou a enviar uma frota de navios do Comando Sul para o Caribe sob o pretexto de ações antidrogas.

Essa política extraterritorial, acrescenta Ceceña, faz parte do modelo de desenvolvimento dos EUA, que é "muito particular", porque é altamente "extrativista" e, para continuar, requer necessariamente um "aumento da pilhagem" de outros países e do "uso de recursos" que têm limites, tanto em dimensão quanto em força, e que já não são suficientes. Tal situação deixa esse país com uma capacidade produtiva "muito reduzida", que não lhe permite competir com a China e nem mesmo com a Índia.

"Os EUA perderam uma força enorme"

Ceceña afirma que a economia americana está passando por "um momento complicado, tanto interna quanto externamente". "Os EUA perderam uma força enorme" e, além disso, enfrentam uma dinâmica social e econômica que levou o país a uma "situação quase de guerra interna".

Além disso, ela explicou que o próprio Trump se viu envolvido no escândalo do predador sexual Jeffrey Epstein. "O caso Epstein vai custar muito caro, faz parte da decadência, da crise em que se encontra os EUA, a própria sociedade".

Tal crise, que inclui uma "inflação terrível", incorpora vários elementos, como uma "população que está em parte enlouquecida", com registros massivos de tiroteios, "armas por toda parte" e um "consumo altíssimo de drogas". "O drama interno é muito forte e só estão conseguindo controlá-lo com um autoritarismo tremendo, policiamento e militarização interna que está se expandindo".

Além disso, eles transformaram os migrantes no "principal inimigo da humanidade", de acordo com o discurso do governo dos EUA, apesar de a população migrante ser a mais produtiva do país e essencial para sustentar a economia de alto consumo, porque são "mão de obra barata" e, sem eles, "tudo entra em colapso".

"O pilar mais forte do narcotráfico está dentro dos EUA"

Enquanto o governo Trump promove sua política externa de combate ao "narcoterrorismo", a situação interna dos EUA apresenta um quadro que Washington prefere silenciar. "O pilar mais forte do narcotráfico está dentro dos EUA", afirmou Ceceña.

A especialista explica que os cartéis do narcotráfico conseguiram crescer precisamente porque suas conexões dentro dos EUA, que é seu maior mercado, lhes permitem "colocar a droga" dentro do país norte-americano. "Eles têm circuitos que permitem que essa droga entre, seja distribuída e consumida".

Nesse sentido, Ceceña indica que, nos EUA, as forças do narcotráfico "são muito mais poderosas do que as do México", porque ficam com 90% da receita da venda de drogas, enquanto apenas 5% a 10% chegam aos cartéis do México ou de outros países.

No entanto, comenta Ceceña, os EUA apontam os cartéis mexicanos e outros da região, porque essa retórica lhes permite estabelecer as bases para controlar o México e impor condições, assim como a outros países. Por exemplo, eles obrigaram as autoridades mexicanas a proteger a fronteira, quando na verdade esse é um assunto que deveria interessar mais aos americanos.

Quanto às ameaças de invasão militar, a especialista indica que os EUA não aplicarão suas táticas da maneira a que o mundo está acostumado, mas executarão "pequenas" invasões utilizando, por exemplo, drones para sobrevoar zonas do país que lhes interessam, ou implementar sua política tarifária, bem como pacotes de sanções ou medidas coercitivas para pressionar ou tentar frear os investimentos da China na região.

Outro ponto-chave abordado por Ceceña é que a Administração para o Controle de Drogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês) é o órgão que mais armas entregou ao narcotráfico com o suposto argumento de rastreá-las para encontrar os chefes do tráfico. "A própria DEA coloca as armas" e agora esses grupos criminosos "têm armas melhores" do que o Exército do México.