
Não tem nada de química, Trump está de olho nas terras raras do Brasil

Desde o breve encontro entre Lula e Donald Trump nos corredores das Nações Unidas, em setembro, abriu-se um novo cenário para a normalização dos contatos oficiais entre Brasil e Estados Unidos.

Apesar da estranha e aparente cordialidade de Donald Trump ao se referir ao presidente brasileiro, o aceno não se trata de uma "química" ou de uma "indústria petroquímica" entre os dois presidentes. O reestabelecimento de um diálogo mínimo atende a interesses bem específicos.
Com a melhora das relações e a abertura de uma mesa de negociações, o Brasil busca a redução das tarifas de 50% sobre os produtos exportados para os Estados Unidos. Trump, por sua vez, é mais ambicioso e quer assegurar o Brasil como um de seus fornecedores de terras raras, sobretudo depois que a China ampliou as restrições para a venda destes produtos com componentes de terras raras.
As terras raras do Brasil
O Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, concentradas principalmente nos estados de Goiás, Bahia e Minas Gerais.
Os 17 minerais que compõem as chamadas terras raras são utilizados na indústria de altíssima tecnologia e em setores como o de energia renovável e equipamentos militares avançados. No entanto, apesar do potencial brasileiro, nunca houve o desenvolvimento uma cadeia produtiva robusta que realizasse a exploração e separação dos minerais. Neste momento, o governo brasileiro tenta avançar no tema criando a Política Nacional para Terras Raras.
Atualmente, mais de 80% da produção global está concentrada na China, o que permite que Pequim exerça forte influência sobre mercados e políticas de tecnologia avançada em todo o mundo. As recentes restrições chinesas à exportação terras raras evidenciam a vulnerabilidade dos Estados Unidos, cuja indústria bélica depende desses insumos para manter capacidade operacional em um cenário em que apenas 2% das reservas mundiais de terras raras se encontram em território norte-americano.
E é justamente no contexto das restrições chinesas que os Estados Unidos têm buscado fornecedores alternativos, como já demonstrou em relação à Ucrânia e à Austrália. O Brasil, detentor da segunda maior reserva mundial, está agora na mira dos norte-americanos.
O cálculo estratégico dos Estados Unidos
A estratégia inicial de Donald Trump para o Brasil não funcionou. A imposição de tarifas de 50% sobre grande parte dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, restrições aos ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive utilizando a Lei Magnistky contra Alexandre de Moraes, não produziram os efeitos econômicos e políticos esperados por Trump e por Eduardo Bolsonaro.
Não houve grande choque na economia e o julgamento de Jair Bolsonaro aconteceu em um cenário de relativa tranquilidade. Condenado por tramar um golpe contra a democracia brasileira, Bolsonaro está fora da disputa presidencial de 2026.
Mais dois fatores podem ter contribuído para que Trump repensasse sua estratégia sobre o Brasil: a desorganização da extrema-direita brasileira e as dúvidas sobre suas chances de levar a melhor no ano que vem e o já citado aprofundamento das restrições chinesas à venda de terras raras e os consequentes problemas que o complexo militar-industrial dos Estados Unidos pode enfrentar.
E o que o Brasil ganha com isso?
Neste momento, o Brasil não possui capacidade industrial suficiente para refinar, separar ou processar os minerais e convertê-los em produtos de maior valor agregado, como imãs e baterias de veículos elétricos. Decidir por comercializar as terras raras como matéria-prima e não produtos acabados, significa deixar passar a oportunidade de desenvolver esse setor estratégico e de definir uma política soberana de exploração de recursos que estão no centro da disputa tecnológica mundial.
O melhor caminho para o Brasil é desenvolver capacidade de exploração e refino e avançar no domínio da cadeia produtiva, algo que não é fácil e nem barato.
Uma alternativa é buscar cooperação junto à países que detém tecnologia de exploração e refino, como é o caso da China. A liderança mundial chinesa no comércio de terras raras é consequência não somente de suas vastas reservas (48% do total mundial), mas de uma política nacional estratégica definida e desenvolvida desde os anos 1980. Além disso, mesmo a produção dos Estados Unidos ainda depende de parte da cadeia produtiva de Pequim, uma vez que os norte-americanos fazem exploração, mas grande parte do refino e separação dos minerais é feito por empresas chinesas.
Nesse sentido, não é demais perguntar: o que os Estados Unidos têm a oferecer ao Brasil quando o assunto são as terras raras brasileiras? Os norte-americanos estão em condições de promover colaboração técnica para que o Brasil avance na cadeia produtiva? Ou Donald Trump quer acessar as terras raras brasileiras enquanto matéria-prima ao mesmo tempo que os Estados Unidos tentam avançar para dominar as etapas de separação e refino?
Projetos de cooperação para o setor não devem estar vetados, a grande questão é executá-los com transferência de tecnologia e em território brasileiro. Os Estados Unidos até agora não demonstraram boa vontade de fazer cooperação nestes termos nem mesmo com seus aliados mais fiéis. Difícil imaginar um cenário em que Donald Trump faça a escolha pela cooperação e não pela pressão em uma eventual mesa de negociações.
Caso o Brasil decida por algum tipo de concessão, faz sentido se alinhar com um país que não possui capacidade tecnológica de domínio de toda a cadeia produtiva das terras raras?
A RT Brasil esforça-se para apresentar um amplo espectro de opiniões. As contribuições de convidados e os artigos de opinião não necessariamente refletem os pontos de vista da equipe editorial.
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