
Relações com a Venezuela: a escolha do Brasil pelo distanciamento

Recentemente, a notícia de que a Venezuela estava aplicando tarifas entre 15% e 77% a produtos exportados pelo Brasil adicionou um novo capítulo nas estremecidas relações entre os dois países.
A novidade apareceu em meio a dois outros acontecimentos: o anúncio de taxação de
Donald Trump ao Brasil e a declaração de Maduro que a Chevron voltaria a operar na Venezuela.
Muito rapidamente circularam análises de que estava se conformando, por parte da Venezuela,
uma política de colaboração com os Estados Unidos e hostil com o Brasil, mesmo que isso faça pouco sentido. No fim das contas, a confusão durou pouco.

A taxação dos produtos brasileiros exportados para a Venezuela se deu por um erro do
sistema, que passou a rejeitar os certificados de origem emitidos pelo Brasil, em desconformidade
com o Acordo de Complementação Econômica nº 69 (ACE-69), que garante isenção tarifária os
produtos brasileiros. A medida afetou principalmente empresas exportadoras de Roraima, estado que concentra mais de 70% das exportações brasileiras para o país vizinho, e chegou a paralisar caminhões na fronteira. Em pouco tempo foi retomado o reconhecimento dos certificados e o impassse encerrado.
O que causou estranhamento foi a falta de informações oficiais de ambos os lados sobre o que realmente estava ocorrendo. E a mera possibilidade de ser real que a Venezuela decida, do dia para a noite, aplicar tarifas tão agressivas contra o Brasil sem previamente negociar ou comunicar ao governo brasileiro, acaba por chamar atenção para o nível atual de afastamento entre os dois países.
As coisas começaram a desandar antes mesmo das eleições presidenciais venezuelanas de julho de 2024, com uma troca de farpas entre Lula e Maduro sobre o processo eleitoral em curso. O que parecia ser apenas um mal-entendido escalou depois que o Brasil decidiu por não reconhecer os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral e, assim como outros países, passou a exigir a apresentação das "atas" para o reconhecimento da vitória de Nicolás Maduro.
Por óbvio, a postura de fiscal de eleições de outro país adotada pelo Brasil não foi bem recebida pela Venezuela que, no entanto, optou por não subir o tom com o governo brasileiro.
Cúpula do BRICS em Kazan
Meses depois, na Cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, o que parecia estar ruim, piorou. Isso porque o Brasil decidiu vetar a admissão da Venezuela como membro associado do grupo. Se a postura brasileira em relação às eleições já tinha sido muito mal recebida em Caracas, o veto significou uma espécie de traição por parte do governo brasileiro. O ingresso como membro associado poderia ajudar a Venezuela a enfrentar a política de sanções que enfrenta há anos e que em muito prejudicou sua economia e o acesso ao mercado internacional para obtenção de itens básicos, desde alimentos até insulina.
A proposta de entrada da Venezuela no BRICS era apoiada pela Rússia, China e África do Sul, mas foi bloqueada pelo Brasil com base no argumento de que o país vizinho não cumpriria os critérios mínimos de estabilidade exigidos pelo grupo. Posteriormente, Celso Amorim falou em "quebra de confiança".
Quando se esperava que o Brasil pudesse enviar um aceno para a normalização e o presidente Lula comparecesse à posse de Maduro, em janeiro de 2025, ou enviasse alguma autoridade à nível ministerial, isso também não ocorreu. Tampouco a Venezuela foi convidada a participar, nem mesmo como ouvinte, da Cúpula do BRICS organizada pelo Brasil e ocorrida no Rio de Janeiro no início de julho deste ano.
Reintegração da Venezuela ao Mercosul
O esforço do Brasil de reintegração da Venezuela ao Mercosul, defendido publicamente por Lula no início de seu terceiro mandato, parece também paralisado. A Venezuela foi suspensa do bloco em 2016, meses depois do golpe que tirou Dilma Rousseff do poder e o Brasil passou a ser governado de forma ilegítima por Michel Temer. Internamente, a reintegração da Venezuela encontra duras resistências de países como o Paraguai e a Argentina e a tarefa brasileira não seria nada fácil, mas antes o que parecia ser uma das missões do Brasil no plano regional, foi abandonado.
O afastamento entre Brasil e Venezuela, que já dura um ano e não mostra sinais de ser revertido no curto prazo, dificilmente pode ser justificado por diferenças políticas irreconciliáveis entre os dois países. Na verdade, ele é fruto de uma reorientação da política externa brasileira do governo Lula, que passou a incorporar a lógica interna da frente ampla nos movimentos internacionais do Brasil. Nesse cálculo, a Venezuela aparece não somente como um inconveniente parceiro regional, mas também um incômodo eleitoral.
Optar por abandonar boas e estratégicas relações com a Venezuela representa, para o Brasil, uma escolha que vai muito além de um simples distanciamento diplomático com um país vizinho. Não por coincidência, ao mesmo tempo em que o Brasil decidiu virar as costas para Caracas, o discurso de retomada da integração regional como principal objetivo da política externa brasileira também foi deixado de lado.
Em maio de 2023, dez presidentes sul-americanos, inclusive Maduro, estiveram no Brasil para uma cúpula que pretendia relançar a Unasul, mas, dois anos depois, não assistimos nenhum avanço.
Por óbvio, reconhecemos os obstáculos políticos que a integração regional encontra no momento, sobretudo a rejeição por parte de governos de extrema-direita à unidade latino-americana e a preferência por um alinhamento com os Estados Unidos e rechaço à Venezuela. Embora a posição do Brasil não seja especificamente essa, hoje há um distanciamento não só com o Caracas, mas com o próprio objetivo da integração regional.
Desde que Maduro foi eleito, em julho de 2024, a Venezuela passou por mais dois pleitos eleitorais. Em ambos, foi confirmado o apoio da maioria da população ao projeto do chavismo e a extrema-direita venezuelana, mais golpista que a brasileira, nada pode fazer a não se boicotar a participação nos processos. No entanto, o Brasil não recuou da postura de desconfiança em torno da eleição de Maduro. E o consequentemente distanciamento, alimentado por circunstâncias como o veto da entrada da Venezuela no BRICS, se aprofundou.
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