Na última semana, Donald Trump iniciou mais uma rodada de imposição de tarifas, tendo o Brasil como um dos principais alvos. Após ameaçar com taxas adicionais de 10% os países dos BRICS que adotarem políticas consideradas antiamericanas e criticar o Supremo Tribunal Federal (STF), chamando de "caça às bruxas" o processo enfrentado por Jair Bolsonaro, Trump publicou em sua rede social uma carta informando a imposição de tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. O comunicado mistura argumentos econômicos que não param em pé e justificativas políticas inconcebíveis para qualquer Estado soberano.
Pelo lado econômico, Trump se apoia na alegação falsa de que o comércio entre Brasil e Estados Unidos é desfavorável aos norte-americanos. Os dados, no entanto, desmentem essa afirmação e apontam que pelo menos há 17 anos o Brasil é deficitário nas trocas comerciais com os Estados Unidos.
Pelo lado político, o tom e as exigências de Trump são de clara afronta à soberania brasileira. Ao justificar a tarifa de 50%, citou Jair Bolsonaro e classificou como uma "vergonha internacional" a condução de seus processos pelo STF. Ainda, referiu-se às ordens judiciais de retirada de conteúdos nas redes sociais norte-americanas como "secretas" e "ilegais".
Logo após o anúncio das tarifas, a família Bolsonaro declarou apoio à decisão de Trump. Provavelmente, a expectativa era de que, com o governo emparedado por setores da burguesia brasileira, especialmente do agronegócio, e diante do temor de uma piora na economia, Lula cederia à pressão de Donald Trump e buscaria, junto ao Congresso, a aprovação da anistia aos presos políticos do 8 de janeiro, abrindo caminho para afastar a possibilidade cada vez mais concreta da prisão de Jair Bolsonaro.
No entanto, o tiro parece ter saído pela culatra. Rompendo com o tom conciliador que o Itamaraty vinha adotando em relação aos Estados Unidos, o presidente Lula foi firme ao defender a soberania brasileira e falou sobre a possibilidade de aplicação de Lei de Reciprocidade, que abre o caminho para medidas retaliatórias do Brasil.
Em duas entrevistas à televisão, Lula reiterou a defesa intransigente da soberania nacional e da autonomia das instituições brasileiras. Acrescentou, ainda, que seu governo está empenhado em encontrar soluções em parceria com o empresariado, diversificando mercados internacionais, missão que ele mesmo prometeu liderar. O caminho para o diálogo segue aberto, segundo Lula, mas os interesses nacionais não se curvarão à chantagem de Trump. Essa tem sido, até agora, a tônica do posicionamento presidencial.
As redes sociais rapidamente foram inundadas de manifestações de apoio às declarações de Lula e de repúdio às ameaças de Trump à soberania e instituições brasileiras. Grandes jornais, como a Folha de São Paulo e o Estadão, bastante críticos ao governo, publicaram editoriais condenando não apenas a postura da família Bolsonaro, mas também o governador de São Paulo e um dos nomes da extrema-direita para as eleições presidenciais de 2026, Tarcísio de Freitas.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal emitiram uma nota conjunta que, embora bastante tímida, sentiu o clima político e evitou antagonizar com a posição adotada por Lula.
No dia 10, manifestantes foram às ruas em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. O que começou como uma mobilização pelo fim da jornada de trabalho de seis dias semanais e pela taxação dos mais ricos, acabou incorporando um forte protesto contra as medidas unilaterais de Trump. Em São Paulo, manifestantes chegaram a queimar um boneco representando o presidente norte-americano.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou uma nota afirmando que a "medida unilateral não se justifica pelo histórico das relações comerciais entre os dois países, que sempre se desenvolveram em clima de cooperação e de equilíbrio, em estrita conformidade com os melhores princípios do livre comércio internacional". Não houve qualquer responsabilização do presidente Lula, como a família Bolsonaro e nomes da extrema-direita têm feito.
Há certo consenso entre analistas de que o impacto econômico sobre o Brasil, ao menos no curto prazo, tende a ser limitado. Os principais produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos incluem petróleo e seus derivados, ferro, aço, café, carne, suco de laranja, celulose e itens de maquinário. A principal preocupação recai sobre o componente industrial dessas exportações e o eventual impacto nos empregos brasileiros.
Ainda não está claro se Donald Trump manterá as tarifas. Desde que tomou posse, em janeiro, o presidente norte-americano já impôs tarifas a diversos países e, em várias ocasiões, voltou atrás. Portanto, não está descartada a possibilidade de uma reversão unilateral por parte do próprio Trump, diante dos possíveis efeitos internos da decisão, como o aumento no preço da carne e do café, produtos de amplo consumo nos Estados Unidos.
Se mantida a decisão, as tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros devem entrar em vigor no dia 1º de agosto. Isso abre uma janela de tempo para negociações diplomáticas, em que o Brasil já disse estar aberto desde que respeitados os princípios básicos de soberania, o que inclui, obviamente, a autonomia das instituições brasileiras.
O tiro pela culatra dos Bolsonaro
Se ainda é cedo para avaliar os efeitos econômicos da imposição tarifária por parte de Donald Trump, os desdobramentos políticos já se mostram mais evidentes. O tiro da família Bolsonaro, ao que tudo indica, saiu pela culatra. A expectativa era de que o governo brasileiro ficasse acuado, buscando imediatamente conciliar com os Estados Unidos e que colocasse em xeque a autonomia do Supremo Tribunal Federal. Havia também a esperança, por parte dos aliados de Bolsonaro, de que o governo corresse ao Congresso para aprovar uma lei de anistia que possa livrar o ex-presidente da prisão.
O que se vê, no entanto, é um cenário oposto: a figura de Lula emerge mais firme, e a defesa da soberania nacional passou a ser defendida por setores distintos da população brasileira. Lula parece estar, como diz o ditado, com a faca e o queijo nas mãos.
Já a família Bolsonaro parece ter errado no cálculo político. Não parecem ter medido as consequências de uma decisão que traz consequências para sua própria base de apoio, como é o caso do agronegócio ou sentimentos que podia gerar na maior parte da população brasileira.