Nos últimos dias, o Oriente Médio mergulhou em uma nova etapa de instabilidade, marcada pelo agravamento do confronto entre Israel e Irã e pelo temor de impactos regionais e globais de grandes proporções. O conflito ganhou novo fôlego após Israel lançar um ataque contra o Irã, sob a alegação de legítima defesa, sustentando que Teerã estaria prestes a desenvolver uma bomba atômica.
No entanto, nem mesmo os órgãos de inteligência dos Estados Unidos confirmam essa alegação. Em março deste ano, Tulsi Gabbard, Diretora Nacional de Inteligência dos Estados Unidos, declarou à Comissão de Inteligência do Senado que o Irã não está construindo armas nucleares. A alegação de Israel também está não está amparada nos relatórios produzidos pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A denúncia feita por Israel, além de inconsistente, é marcada por ironias. O país, embora nunca tenha admitido oficialmente, mantém um programa nuclear que foi desenvolvido de forma clandestina com apoio da França e uso de urânio contrabandeado da África do Sul. Além disso, Israel não é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear e impede inspeções da AIEA em suas instalações. Portanto, de "legítima defesa" e "preventivo", o ataque israelense não tem nada.
A verdade é que, poucos dias após deter ilegalmente em águas internacionais uma embarcação que levava ajuda humanitária à Gaza e que tinha a bordo o brasileiro Thiago Ávila, a agressão ao Irã é mais uma violação do Direito Internacional a ser adicionada na conta de Israel.
A novidade é que, desta vez, o Irã lançou uma contraofensiva que foi além de demonstrar que possui capacidade de resposta, mas sem gerar danos, como ocorreu em abril de 2024. Uma chuva de mísseis iluminou os céus de Israel e causou estragos significativos em cidades como Haifa e Tel Aviv. Ao ser desafiado por Donald Trump a se render incondicionalmente, o aiatolá Ali Khamenei respondeu que o Irã não aceitará guerra ou paz impostas. Os Estados Unidos entraram no jogo e lançaram ataques às instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan. Como resposta, o Irã atacou a base norte-americana no Catar.
Quando o que se previa era uma escala das tensões, um cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos e o Catar foi anunciado por Trump. Os bombardeios cessaram, mas as causas do problema não foram tratadas. O Irã conhece o histórico de Israel e está ciente que o cessar-fogo pode ser violado a qualquer momento, mesmo em desacordo com Trump.
A posição brasileira
O presidente Lula esteve presente na reunião do G7, realizada dias depois da escalada de tensões. Ao discursar e tratar os ataques de Israel ao Irã, se limitou a dizer:
"Os recentes ataques de Israel ao Irã ameaçam transformar o Oriente Médio em um único campo de batalha, com consequências globais inestimáveis."
Bom, isso todos nós sabemos. Há perigos evidentes em bombardear instalações nucleares, é uma tragédia humanitária atingir áreas residenciais e assassinar civis e destruir a infraestrutura de cidades inteiras. Sem falar nos custos econômicos da desestabilização de uma região estratégica para a produção e o abastecimento energético mundial.
O Irã, em particular, ocupa posição central entre os grandes produtores de petróleo do Oriente Médio e controla a parte norte do Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de um terço do petróleo mundial. Se decidir pelo bloqueio do estreito, haveria uma forte restrição do suprimento de petróleo e gás natural enviados para diferentes partes do mundo. Como resultado, o aumento no preço da energia e pressão inflacionária decorrente serão sentidas globalmente.
Mas essas consequências não devem ser vistas como obras do acaso. Há atores específicos provocando a desestabilização do Oriente Médio ao violar a soberania de países e apostar na mudança de seus regimes políticos como forma de alterar o tabuleiro geopolítico da região. Esses atores têm nomes.
Após os ataques dos Estados Unidos ao Irã, o Itamaraty, com um pouco de atraso, emitiu uma nota em tom mais duro. O presidente se limitou a replicar a nota.
É preciso falar claro
A fala genérica de Lula no G7 está alinhada com que parece ser a linha predominante da política externa brasileira: adotar, dentro dos limites possíveis, uma espécie de "neutralidade estratégica" nos assuntos mais urgentes do sistema internacional. Mesmo a nota de condenação do Itamaraty demorou a chegar e nela não consta que o Irã tem o direito de se defender.
Mesmo no caso do ativista brasileiro sequestrado em águas internacionais, fora, portanto, da jurisdição de Israel, a reação do governo foi tímida. Houve esforços diplomáticos para repatriá-lo, mas as relações diplomáticas foram mantidas e o presidente sequer mencionou publicamente o episódio. Para alguns, a atitude cautelosa e tolerante com Israel se explica por razões eleitorais. No entanto, no plano doméstico, setores sionistas estão articulados com a extrema-direita brasileira e não escondem sua aversão às manifestações de solidariedade de Lula ao povo palestino.
Do ponto de vista internacional, a posição brasileira teria o objetivo de cacifar o país como mediador internacional e manter pontes de diálogos com todos as partes, mesmo que as capacidades de relativas de poder do Brasil não sejam suficientes e nem consideradas para protagonismos desse tipo.
O que ocorre hoje no Oriente Médio não deve ser visto como mero conflito de interesses entre nações, mas sim como mais uma agressão do Estado de Israel, que agora dirigiu ataques ao Irã, mas também já o fez no Líbano, no Iêmen e na Síria. Simultaneamente, continua a bombardear Gaza e a impor sua política de genocídio contra o povo palestino. Os ataques dos Estados Unidos devem ser denunciados no contexto de sua política imperialista e não como um episódio isolado.
A mais recente agressão ao Irã precisa ser reconhecida e denunciada como ela é e sem fazer uso de neutralidade seletiva e silêncios estratégicos. As condenações às agressões imperialistas precisam ser claras e rápidas. Se decidir por esquivar de tal responsabilidade, o Brasil acaba por contradizer seus próprios princípios de defesa da soberania, da autodeterminação dos povos e do Direito Internacional.