Opinião

Venezuela com o inimigo na mira

Venezuela com o inimigo na miraU.S. Marine Corps / Cpl. Emily Hazelbaker

Como chicotadas do tempo soam e ecoam hoje as estrofes do músico e cantor popular venezuelano Alí Primera:

"...Abre caminho, companheiro
Que já sopra vento de água
E já é hora de espantar o cachorro
Antes que ele faça xixi..."

A pomba da paz, Donald Trump, mostrou suas garras. A frota de guerra dos Estados Unidos está se posicionando diante das costas venezuelanas. Os filhotes dessa pomba, que parecem mais com urubuzinhos, os governos da República Dominicana, Equador e Paraguai, correm para se juntar ao coro imperial.

O país que nem precisa de nome, o que mais importa, vende, compra e consome cocaína no mundo, mais uma vez resolve dar aulas de moral antidrogas e ameaça o governo da Venezuela com a única coisa que sabe fazer bem: a guerra.

Folheando os jornais, entre tantos absurdos e surreais, o mais estúpido me pareceu o da Euronews: "EUA teriam deslocado 3 navios com 4.000 soldados perto da Venezuela para frear o narcotráfico". 

Pelo visto, os europeus, que agora se preparam para a "invasão russa" e até a chegada de alienígenas, também vão acreditar na eficiência de embarcações armadas com mísseis e canhões para combater traficantes de drogas.

Deixemos de lado as verdades mais do que conhecidas, como o fato de que a gerência geral do narcotráfico no continente americano se dá justamente a partir desse mesmo país, que sempre repete em inglês o mesmo mantra sobre uma "guerra contra as drogas", quando os principais coordenadores do negócio são a DEA e a CIA. Foquemos no importante: até que ponto são reais as promessas do império de invadir a Venezuela?

O diretor da DEA, Terry Cole, declarou que o governo Maduro envia "quantidades recordes de cocaína" com a ajuda de grupos guerrilheiros colombianos como as FARC e o ELN, quase com as mesmas palavras que a imprensa da Colômbia usava nos tempos do uribismo, quando os rebeldes foram oficialmente rotulados de "narcocomunistas". A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou que seu país está pronto para "usar todo seu poder" e voltou a insistir que considera o governo venezuelano não como legítimo, mas como "um cartel do narcotráfico", chamando ainda o presidente Nicolás Maduro de líder fugitivo acusado de tráfico de drogas. Haveria maneira mais explícita de declarar toda a Venezuela como alvo militar?

Os Estados Unidos, aproveitando o momento da maior crise político-militar global do pós-guerra, quando a atenção da grande mídia está concentrada na guerra na Ucrânia e no massacre em Gaza, voltam seus olhos para a América Latina, que por alguns anos parecia esquecida pelo império, sob a desculpa de outras prioridades.

A Venezuela preocupa especialmente, porque depois de tantos anúncios de queda iminente do governo bolivariano, agora, apesar de todas as sanções e milhões de dólares investidos em sua desestabilização, o mundo vê a recuperação de sua economia e percebe também como a segurança e a tranquilidade vão, pouco a pouco, retornando às ruas.

A Venezuela resistiu a todos os tipos de guerra: a econômica, a cultural, a informativa e a da criminalidade.

Por isso agora a ameaçam com a última delas: a militar. Mas surgem complicações: apesar de toda a fanfarronice com frotas militares, submarinos atômicos e aviões, os especialistas norte-americanos sabem bem que, pela geografia e pelo relevo da costa venezuelana, essa opção custaria caro demais em equipamentos e vidas para o agressor.

A outra alternativa, sempre falada, seria um ataque a partir do território colombiano, parecia mais fácil e foi planejada ainda nos tempos em que estava no poder seu aliado, o "Matarife", mas, por enquanto, está descartada diante da postura firme e digna do presidente Gustavo Petro contra qualquer intervenção. Atacar a partir da Guiana seria difícil demais, pela densidade da selva e pela total ausência de comunicações terrestres. Além disso, sabem muito bem que a Venezuela, com seu Exército e seu povo, vai se defender a sério.

Para o negócio da guerra que o Tio Sam montou na Europa e agora lava as mãos esperando apenas os dividendos, será preciso muito petróleo e outras matérias-primas. É por isso que a Venezuela e a América Latina voltaram a ser tão importantes e cobiçadas.

Outro aspecto pouco comentado nos meios de comunicação sobre essa escalada brutal é que ela acontece depois de uma suposta melhora nas relações entre Estados Unidos e Venezuela. De repente, um governo soberano com quem havia um diálogo razoável em andamento se transforma em inimigo declarado e alvo militar. Depois do que aconteceu com o Irã, atacado nas mesmas circunstâncias de negociações que avançavam, evidentemente isso também é um aviso para todos, muito além da América Latina.

Mas a Venezuela não está sozinha. Porque já não basta escrever "Todos somos Venezuela" para abrir a brecha que derrubará o arrogante poder colonial de sempre. É preciso criar, parafraseando Che Guevara, "duas, três… muitas Venezuelas". 

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