Opinião

Quem poderia imaginar! Corrupção desenfreada na Ucrânia

Quem poderia imaginar! Corrupção desenfreada na UcrâniaGettyimages.ru / Drew Angerer

Sem dúvida não é exatamente a notícia mais impactante do século, mas o projeto liderado por Zelensky enfrenta seu pior escândalo de corrupção até o momento. O que equivale a anunciar em grandes manchetes que um alcoólatra voltou a beber demais, mas enfim, alguns tem que  fingir surpresa.

Estamos falando de 100 milhões de dólares desviados do orçamento ucraniano por meio de um esquema de contabilidade paralela e pagamentos ilegais que empresários do setor precisavam fazer para garantir contratos com a Energoatom, a agência estatal dedicada à energia nuclear. Tudo muito de valores europeus e democracia transparente, como podem comprovar.

A investigação foi conduzida por mais de um ano pelo Escritório Nacional Anticorrupção da Ucrânia e pela Procuradoria Especial Anticorrupção (que, diga-se de passagem, devem ter material acumulado para alguns séculos de papelada). No processo, foram realizadas e analisadas mais de mil horas de gravações telefônicas.

Métodos clássicos e amigos próximos

O mecanismo corrupto utilizado é mais velho que a própria corrupção e consistia basicamente em que as empresas que quisessem contratos com a Energoatom precisavam "passar no caixa", pagando comissões para assegurar a assinatura. O dinheiro, como em todo esquema corrupto que se preze, era recolhido em espécie, levado a um escritório no centro da capital (para que tenham uma ideia dos níveis de impunidade) e lavado por meio de uma rede de empresas de fachada.

Os ganhos eram repartidos entre intermediários, funcionários e (para se ter uma ideia do nível de corrupção) até investigadores do próprio Escritório Estatal de Investigações, que recebiam 5% para não investigar. Ora, como é possível que a Ucrânia ainda não tenha ingressado na União Europeia com procedimentos assim?

Nesses casos, o mais comum no topo da hierarquia do poder é se desvincular da trama, dizer que se tratava de algumas maçãs podres e que quase não havia relação com elas, mas tudo isso está especialmente difícil neste caso. 

Isso porque o líder do esquema corrupto é Timur Míndich, sócio e amigo pessoal de Zelensky há décadas. Ambos trabalharam juntos no estúdio Kvartal 95, onde o segundo protagonizou vários dos projetos audiovisuais que o levaram à fama. A maioria em língua russa, aliás, e alguns deles lançados tanto na Ucrânia quanto na Rússia depois de 2014, apesar do conflito no Donbass e do retorno da Crimeia à Federação Russa.

 

Zelensky não encerrou sua participação no estúdio (ou, de acordo com seu discurso atual, "manteve negócios com os ocupantes") até 2019, quando venceu a eleição presidencial e vendeu sua participação na empresa justamente para Míndich. Mas não nos desviemos do tema central. Pouco antes de o escândalo vir à tona, alguém alertou Míndich, que desapareceu da noite para o dia. Nada surpreendente em um país no qual até a corrupção está corrompida.

Atualmente, desconhece-se o paradeiro do sócio e amigo de Zelensky, que nunca ocupou um cargo governamental ou oficial (nem precisava, com um contato desses), embora se especule que possa ter fugido para Tel Aviv, já que possui dupla nacionalidade, ucraniana e israelense. Vejam só. Uma dupla de passaportes e tanto a de Timurzinho, perfeita para levantar suspeitas de que pudesse estar envolvido em algo duvidoso, não é?

Além de Míndich, também desapareceram seus sócios e igualmente compatriotas, os irmãos ucraniano-israelenses Mikhail e Alexander Zukerman, apontados na investigação como responsáveis pelas empresas de lavagem que integravam a trama. Nas gravações, é possível ouvir um deles reclamando do peso que é carregar mais de um milhão e meio de dólares em espécie dentro de uma caixa. Vejam que, apesar do luxo, a vida do corrupto é cheia de contratempos.

Surpresa fingida em meio ao desmoronamento

O escândalo teve repercussões políticas imediatas, já que as gravações incriminam praticamente todo mundo (ou, melhor dizendo, "todo mundenko") na elite política da Ucrânia.

Em questão de horas, renunciaram — ou, conforme o caso, "foram renunciados" — praticamente todos os altos cargos da Energoatom, a ministra de Energia, o ministro da Justiça e, de maneira um tanto retroativa, o vice-primeiro-ministro e também ministro da Unidade Nacional, que se antecipou ao escândalo e deixou o cargo há alguns meses, envolto em outros casos de corrupção aos quais agora soma este em seu histórico. Até o ministro da Defesa passa por um momento amargo enquanto tenta explicar que o fato de aparecer nas gravações não implica que tenha feito algo irregular.

Por ora, Zelensky tenta fingir que o assunto não diz totalmente respeito a ele, embora respingos lhe cheguem de todos os lados. O escândalo explodiu em todos os meios hegemônicos, embora a maioria deles trate o caso com um ar compreensivo no qual o ex-presidente ucraniano (e presidente autoproclamado desde 2024) seria mais vítima do que responsável pela trama.

No último verão, Zelensky tentou limitar a capacidade das agências anticorrupção do país

No entanto, isso pode mudar a qualquer momento, porque, além da dimensão do escândalo, é preciso prestar atenção ao "tempo" em que o caso vem à tona. Até 2022, a Ucrânia era consistentemente descrita, mesmo na imprensa nada suspeita de "pró-russa", como uma das nações mais corruptas de toda a Europa, e ninguém em sã consciência acredita que essa corrupção endêmica tenha diminuído justamente no meio de uma guerra em que o dinheiro do "mundo livre" entra a rodo nas contas ucranianas. Ao contrário.

Além disso, no último verão, Zelensky tentou limitar a capacidade das agências anticorrupção do país, jogada que poderia ter lhe custado muito caro na época e que muitos interpretam como uma tentativa de conter a onda de escândalos de corrupção que agora começam a vir à tona com nomes e sobrenomes.

No que diz respeito a este caso específico, na Ucrânia era um segredo aberto que Míndich levava uma vida mais própria de um magnata de Hollywood em sua era dourada do que de um produtor ucraniano de pouca expressão, incluindo uma lenda urbana segundo a qual ele teria vasos sanitários de ouro em seu banheiro e, infelizmente para o advogado de seu principal usuário e para as imagens mentais que vocês e nós possamos ter ao imaginar a cena, nestes dias vieram a público fotografias que confirmam sua existência.

Ou seja, essa descoberta de água morna em forma de "oh my gosh, então acontece que a propaganda russa não mentia e na Ucrânia há ainda mais corrupção do que mercenários estrangeiros", justamente em meio aos avanços russos cada vez mais frequentes na linha de frente, é um sinal inequívoco de uma rachadura que os patrocinadores de Zelensky estão ou tentando maquiar para salvá-lo mais uma vez ou tentando estimular para substituí-lo o quanto antes por outro obediente fantoche a serviço do Norte Global.

E, embora pareçam dois cenários muito diferentes e até contraditórios, no fundo trata-se exatamente do mesmo: seja com uma cara nova e renovada ou com outra já conhecida e envelhecida, o objetivo continua sendo prosseguir com a guerra por procuração contra a Rússia, imposta a Kiev há uma década por seus patrocinadores, com ou sem Zelensky.

O  texto acima é uma adaptação de um vídeo produzido pela equipe de ¡Ahí les va!, escrito e dirigido por Mirko Casale.

 

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