Opinião

Decolagem sob pressão: a indústria aeronáutica russa ressurge

Decolagem sob pressão: a indústria aeronáutica russa ressurgeSputnik / OAK /

O avião MS-21 representa não apenas o renascimento da aeronáutica civil russa, mas também a capacidade da maior nação do mundo de se adaptar e sobreviver às sanções do chamado Ocidente Coletivo. 

Este avião de uso civil, fabricado com componentes 100% russos, está em fase final de testes, com sua produção em série prevista para 2026. E a história de MS-21 merece atenção, porque contá-la é contar a história recente da Rússia.

A aeronáutica civil russa viveu um período de glória durante a União Soviética, quando modelos como Tupolev, Ilyushin ou Yakovlev se tornaram o símbolo da Aeroflot, que chegou a ser a maior companhia aérea do planeta.

Vários desses aviões foram amplamente utilizados na Europa Oriental, Ásia, África e países latino-americanos como Peru e Cuba. Alguns, como o Ilyushin-62 e 96 ou o Tupolev-204, continuam em operação até hoje, dentro e fora da Rússia.

Colapso geopolítico e industrial

No entanto, após o colapso soviético, no início da década de 1990, o orgulho aéreo desmoronou. As fábricas ficaram separadas em diferentes repúblicas recém-independentes, as cadeias de abastecimento tornaram-se mais complexas ou foram completamente rompidas e o financiamento do Estado, se me permitem a expressão, estourou.

Em apenas cinco anos, a frota da Aeroflot foi reduzida em mais de dez vezes, os programas de desenvolvimento foram cancelados, milhares de engenheiros, técnicos, designers, especialistas e outros trabalhadores abandonaram o setor ou saíram em busca de melhores oportunidades em outros países.

Da noite para o dia, a Rússia perdeu praticamente toda a capacidade industrial neste e em outros setores, ficando para trás em termos de tecnologia e altamente dependente de empresas do Norte Global para suas necessidades de transporte aéreo civil.

Ressurgimento de um gigante

A história da aviação civil russa representa tão bem a história da Rússia que, quando no início deste século Moscou percebeu que o Ocidente Coletivo a havia enganado para aproveitar o colapso soviético exclusivamente para seu próprio benefício, o Estado russo criou a Corporação Aeronáutica Unida, visando reorganizar o setor fragmentado de fabricantes de aviões que havia sido desmembrado ou vendido a preço de banana durante a década anterior.

Como se fosse um gigante que se espreguiça após uma década adormecido por causa de soníferos de importação, o despertar não foi imediato. Nos primeiros anos após a criação da agência aeronáutica estatal, foi necessário encontrar recursos sustentáveis e atualizar um conhecimento técnico global que havia sido largamente abandonado no país. 

Como resultado desses esforços, em 2008, o Sukhoi Superjet 100 iniciou seus voos, entrando nos mercados russo e internacional alguns anos depois. Desde então, mais de 200 dessas aeronaves foram fabricadas e entregues a operadoras russas e estrangeiras, como as do Cazaquistão, Tailândia e México.

Animada pelo sucesso inicial, a Rússia começou ,quase paralelamente, a projetar o MS-21, que é o ponto central deste artigo. Assim como o Sukhoi Superjet 100, a aeronave não foi inicialmente concebida como um produto 100% russo, mas contaria com muitas peças estrangeiras, a começar pelos motores, nada menos. Assim, em 2017, o segundo modelo de avião civil russo pós-soviético fez com sucesso seu primeiro voo de teste. Em seguida, o fabricante começou a receber pedidos tanto dentro quanto fora da Rússia.

"Ajudinha" involuntária do Ocidente

No entanto, surgiu algo que começou como um grande obstáculo e acabou se tornando uma vantagem. É claro que me refiro às sanções do Norte Global contra a Rússia. Vale ressaltar que essas medidas coercitivas não começaram em 2022, mas ainda antes, várias delas implementadas por Donald Trump durante seu primeiro mandato presidencial.

Graças às sanções unilaterais da "comunidade internacional", o MS-21 tornou-se o primeiro avião russo pós-soviético de produção exclusivamente nacional.

Já por volta de 2018, começaram a surgir os primeiros problemas na importação de peças de empresas do Ocidente Coletivo, uma vez que, em mais de uma ocasião, as compras foram paralisadas por ordens de Washington, Londres ou Bruxelas. 

O projeto de um avião não é uma coisa fácil: requer testes e mais testes, não se pode trocar uma peça por outra como se fosse uma bicicleta infantil. Durante algum tempo, avaliava-se a possibilidade de variar de um fornecedor para outro, mas depois que, em março de 2022, a Rússia se tornou o país mais sancionado do mundo, essa porta se fechou definitivamente.

No entanto, como contrapeso, outra porta se abriu, que Moscou havia fechado 30 anos antes, quando confiou nos cantos de sereia do Ocidente. Foi assim que, em grande parte devido às sanções unilaterais da "comunidade internacional", o MS-21 se tornou o primeiro avião russo pós-soviético de produção exclusivamente nacional: cada peça e componente, desde computadores e sistemas de navegação, passando por equipamentos de comunicação, freios, trem de pouso, até mesmo o ar condicionado da aeronave e, é claro, os motores PD-14 de nova geração, são fabricados na Rússia.

Hoje, já foram montadas duas aeronaves totalmente operacionais e, se os demais testes forem bem-sucedidos, o avião, com capacidade para mais de 200 passageiros e autonomia de quase quatro mil quilômetros sem reabastecimento, será produzido em série na Rússia em 2026. 

E então saberemos se o MS-21, abreviação em russo de “avião magistral do século XXI”, é apenas um nome ou um presente do destino para a indústria de aviação da Rússia.

Este texto é uma adaptação de um vídeo produzido pela equipe do '¡Ahí les va!', escrito e dirigido por Mirko Casale.

A RT Brasil esforça-se para apresentar um amplo espectro de opiniões. As contribuições de convidados e os artigos de opinião não necessariamente refletem os pontos de vista da equipe editorial.