A OCX e seu papel na consolidação de um mundo multipolar

Lejeune Mirhan

Nos dias 31 de agosto e 1º de setembro na cidade de Tianjin na China, ocorreu a reunião da OCX – Organização para a Cooperação de Xangai ou OCS na sigla inglesa, que foi fundada em 15 de junho de 2001, há 24 anos.

Antes de falar sobre o conteúdo da reunião quero falar um pouco sobre o histórico da instituição. Em 1996 já existia uma organização de cinco membros que posteriormente homologaram a sua fundação e escreveram sua carta de princípios que ocorreria cinco anos depois em 2001. Basicamente, ela é uma articulação da China e da Rússia. Na época o presidente da China ainda não era Xi Jinping. Na Rússia, Putin já era presidente fazia um ano.

Os fundadores eram conhecidos como os "Cinco de Xangai": República do Cazaquistão, República Popular da China, República do Quirguistão, Federação Russa, República do Tajiquistão, três deles eram ex-Repúblicas Soviéticas.

Na época estamos falando de um mundo unipolar. O mundo bipolar já havia desaparecido e vigia uma nova ordem mundial desde dezembro de 1991. Podemos dizer que o fim da URSS foi a maior derrota do proletariado desde que fizemos a Revolução de Outubro de 1917. Lembrando que a URSS era um contraponto ao imperialismo estadunidense. Muitos autores são unânimes em admitir que essa derrota foi a derrota do Socialismo Real ou do Socialismo Soviético.

A articulação de 1996 começa sem grandes pretensões de criar uma organização intergovernamental. Ela foi criada para tentar resolver problemas de disputas fronteiriças que surgiram logo depois do fim da União Soviética.

Seus objetivos eram: segurança mútua, aspectos políticos e, cooperação econômica. Ao se falar em segurança, está se falando em aspectos militares. Não há semelhanças entre a OCX e o Brics, não se pode comparar, há grandes diferenças.

Ela surge para lutar contra três grandes problemas, três "ismos" que apavoram governos não apenas daquela região, mas do mundo inteiro: terrorismo, extremismo e, separatismo. Ninguém quer separação de uma parte de seu país. É evidente que era seu objetivo também promover a estabilidade regional; trazer confiança mútua, e implantar projetos de infraestrutura em várias áreas como estradas, ferrovias, transportes, telecomunicações etc.

Esses cinco países fundadores ganharam quatro novos membros até 2021, depois disso ninguém mais entrou. Portanto, em 20 anos, apenas quatro novos membros foram admitidos: Índia, Paquistão, Uzbequistão e Irã, este o último a entrar. A República do Uzbequistão estava na fundação, em 2001, mas não era um dos "Cinco de Xangai".

Depois, eles criaram o que chamaram de "Parceiros de diálogos e observadores". Eram três observadores e nove parceiros de diálogos. Na reunião de agosto e setembro eles aboliram essa diferença. Assim, a OCX tem nove membros plenos e 12 parceiros de diálogo. Ou seja, são 21 membros ao todo que estiveram na última reunião.

Após a reunião teve o desfile militar de 3 de setembro e tinha representantes de outros países que não fazem parte da OCX, como a Coreia do Norte, por exemplo.

Os 12 parceiros de diálogos têm direito a voz, mas não a voto. São eles: Arábia Saudita, Armênia, Azerbaijão, Camboja, Catar, Egito, Nepal, Sri Lanka e Turquia. Dentre eles tem países árabes, alguns são muçulmanos e tem a Turquia que desses, é o único membro da OTAN (Aliança do Atlântico Norte).

Em todas as reuniões que convocam três instituições sempre são convidadas: ASEAN (Associação das Nações do Sudoeste Asiático); ONU (Organização da Nações Unidas), o secretário-geral sempre se faz presente; CEI (Comunidade dos Estados Independentes), criada após o fim da União Soviética.

Isto mostra que é uma organização poderosa que representa 42% da população da Terra, somando 30% do PIB mundial.

A reunião de Tianjin

Esta foi a 25ª reunião da cúpula da organização, que é realizada uma vez por ano, e a quinta que ocorreu na China. Esta foi, sem dúvida, a maior de todas, porque ela tinha a característica de ter alguns convidados que iriam participar do desfile do dia 3 de setembro. Então, por que não participar da reunião?

Assim, os líderes dos 21 países e outros convidados especiais prestigiaram as comemorações dos 80 anos da rendição japonesa perante a República da China (nome do país à época), comandada pelo partido KMT (Kuomintang) do grupo "nacionalista" de Chiang Kai-Shek, um anticomunista que governava a China à época.

A única ausência entre esses líderes foi do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi que não quis ficar para o desfile. Ele não teve coragem, talvez porque considerasse uma grande afronta ao Ocidente com quem ainda mantém vínculos, e aos poucos está se afastando. A Índia faz parte do BRICS e sofre sanções dos EUA.

As imagens que correram o mundo e chegaram a chocar o Ocidente mostravam: Narendra Modi (Índia), Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China) Kim Jong-un (Coreia do Norte) e, Massoud Pezeskian (Irã). Estes são os representantes do que os EUA chamavam de "Eixo do mal". Juntos e irmanados, unidos em torno de um grande objetivo comum, o mundo multipolar.

Fora os debates sobre segurança regional e cooperação econômica, que foram os grandes pilares, eles entram em detalhes, aprofundam em comissões temáticas, subcomissões etc. Eles traçaram um plano para 10 anos chamado: "Estratégia de Desenvolvimento da OCX para o período 2026-2035".

Nesse caso, além da multipolaridade e do multilateralismo, que eles já vêm defendendo há tempos, assim como também os BRICS defendem, eles enfatizaram que vão defender outros dois grandes pontos importantes: a governança global e a prosperidade compartilhada.

A governança global não é a negação da existência das Nações Unidas, nem quer dizer que ela está falida e que é preciso criar outro organismo em seu lugar. Mas defendem que ela precisa ser reformulada, e que já não atende a este mundo atual, porque, quando ela foi criada, há 80 anos, havia outras prioridades, mas aquele mundo não existe mais.

Por exemplo, não tem mais sentido o poder de veto que atravanca quaisquer possibilidades de ela ter uma eficácia e eficiência em suas resoluções. Haja vista o que acontece entre Israel e a Palestina, não há decisão que consiga parar o genocídio e punir o genocida. Houve seis vetos pelos Estados Unidos ao cessar-fogo. Há uma representação impetrada pela África do Sul, endossada pelo Brasil, entre outros países, que não anda, porque o processo não permite que se tramite na Corte da ONU. Israel jamais será punido naquela corte.

Neste sentido, ganhou grande destaque a proposta apresentada pelo presidente da República Popular da China e secretário-geral do Partido Comunista da China, Xi Jinping, que lançou a iniciativa da governança global, onde defende uma ordem internacional justa e multipolar.

Todas essas nações e lideranças já são vistas como não-alinhadas ao Ocidente, ainda que não se declarem como oposição frontal aos EUA, isto nem é preciso. Mas também ninguém duvida de que há uma imensa desconfiança de ambos os lados.

A reunião projetou e consolidou a China, que já é reconhecida como uma grande potência econômica e agora trabalha para construir uma nova arquitetura e um novo bloco intergovernamental que em 2026 completará um quarto de século. Da mesma forma, o BRICS também faz parte desta nova arquitetura com a China, com destaque central de liderança.

As grandes decisões

Alguns aspectos do plano de 10 anos continuam sendo o centro das preocupações: a segurança coletiva e o desenvolvimento sustentável. Estamos falando do tripé: economia-segurança-sustentabilidade.

A segurança, por exemplo, não está na ordem do dia das preocupações do BRICS como está na OCX.

O Espírito de Xangai

Foi aprovada a criação do Banco de Desenvolvimento da OCX. Não há detalhes, mas deve ser nos moldes do Novo Banco de Desenvolvimento (banco dos BRICS). Deve ficar sediado em Pequim, e não se sabe ainda qual o capital inicial, mas deve ser em torno de U$S 100 bilhões.

Eles criaram algumas plataformas de cooperação: energia, indústria verde, economia digital, inovação, ciência e tecnologia, ensino superior e educação tecnológica. Deve haver intercâmbios, interações, e a China vai sediar tudo isto, oferendo suporte.

Em relação às questões de segurança, estabeleceram quatro blocos: 1. Contra as ameaças transnacionais; 2. Segurança da informação (combate às fake-news, por exemplo); 3. Combate ao crime organizado e; 4. Controle do narcotráfico ou tráfico internacional.

Quero destacar alguns aspectos da reunião que não são secundários. O primeiro é a reaproximação entre China e Índia. Eles sempre tiveram problemas nas fronteiras em pelo menos duas localidades, sendo a mais importante na região de Aksai Chin onde sempre há atritos com muitas mortes. Os guardas de fronteira naquela região nem usam armas de fogo.

Narendra Modi fazia sete anos que não pisava em território chinês. Isto aconteceu nesta última reunião com troca de cumprimentos entre os dois líderes, um entrelaçamento que enfureceu o Ocidente. Talvez não acabem os problemas da fronteira, mas poderá ser visto como um aspecto secundário.

Por fim, o grande acordo, o memorando assinado de construção do grande gasoduto siberiano que vai transportar o gás russo para a China. O gasoduto é uma obra cara, mas é feito quando se tem certeza de que ele vai durar muito tempo. Ou seja, na hora que estiver estabelecido, terá valido a pena construir.

Por exemplo, em relação ao Nord Stream 1, a ex-primeira-ministra alemã Angela Merkel investiu seis bilhões de euros e a Gazprom, que produz o gás russo, investiu outros seis. Isto totaliza cerca de R$ 75 bilhões para transportar o gás da Rússia para a Alemanha por 1.300 km no fundo do Mar Báltico. Quando começaram a impor sansões contra a Rússia, a Alemanha parou de comprar o gás russo e passou a comprar o estadunidense 150% mais caro. Um boicote muito caro para a Europa como um todo.

Quando Scholz tomou posse, o Nord Stream 2 estava pronto para ser inaugurado e ele não só não abriu o gasoduto como ainda sabotou explodindo os dois gasodutos, privando a Europa do gás mais barato.

Isto tudo para dizer que o gás da Sibéria poderia ir para a Europa, no entanto, por questões políticas ele vai todo para a China. Ou seja, um investimento de grande porte para os dois países. A Europa que já vinha afundando economicamente, vai continuar ainda mais.

Portanto, este acordo estratégico de energia entre a República Popular da China e a Federação Russa deixará a União Europeia praticamente sem alternativa de um gás barato nas próximas décadas e garantirá à Rússia bilhões e bilhões de dólares extra-anuais com essa operação.

Conclusões e desdobramentos

Desta reunião que já é a maior realizada pela OCX, e que já provocou grande impacto mundial, eu listo pelo menos, cinco aspectos:

1. O fortalecimento da multipolaridade do mundo, que alguns autores têm usado o termo "multipolarização". Estão envergonhados, nós insistimos que a transição está concluída, o mundo já é multipolar. E a 25ª reunião da OCX fortalece esta realidade;

2. Esta reunião caminha para a construção de uma nova arquitetura geopolítica mundial que já vem sendo construída e vai se configurando que pode, segundo alguns autores, amanhã ou depois, caminhar juntos, em consonância com o Brics. Fala-se até na unificação ou de um trabalho muito próximo entre os dois blocos intergovernamentais;

3. Vai haver maior integração entre os países-membros, não só da OCX, que reúne principalmente países da Ásia, como também uma interação com países do BRICS que reúne países do campo ocidental;

4. Esta reunião faz com que também nós possamos caminhar para uma nova governança global com maior participação dos países do chamado Sul Global, especialmente, Brasil e Índia;

5. Com relação à Ásia, esta reunião ajuda a consolidar uma maior segurança regional.