
Não é apenas o gás russo: entenda por que a economia da Alemanha está em crise

Atualmente, a Alemanha enfrenta uma série de desafios econômicos que afetam a estabilidade doméstica, com o produto interno bruto (PIB) de 2024 caindo 0,2% em comparação com o ano anterior, segundo o Departamento Federal de Estatística (Destatis).
Os dados mostram que a maior economia da Europa está passando por um declínio pelo segundo ano consecutivo. Desde 1949 houve apenas um período de fraqueza econômica tão longo, quando o país europeu entrou em recessão em 2002 e 2003.

No final de janeiro, o ministro das finanças, Robert Habeck, afirmou que a Alemanha está em uma “crise estrutural”, que poderia ser superada por um estímulo fiscal completamente novo, com créditos fiscais e investimentos diretos do governo federal. “A Alemanha está estagnada”, reconheceu Habeck.
No outono de 2024, o ministério previu um crescimento do PIB ajustado aos preços de 1,1% para 2025. No entanto, o número agora é de apenas 0,3%. A situação também é agravada pela possibilidade de os EUA imporem tarifas mais altas sobre produtos da Europa.
Por sua vez, a presidente do Destatis, Ruth Brand, afirmou que “pressões cíclicas e estruturais” impedem um melhor desenvolvimento econômico em 2024.
“Isso inclui o aumento da concorrência para a indústria exportadora alemã em importantes mercados de vendas, altos custos de energia, taxas de juros persistentemente altas e perspectivas econômicas incertas”, disse Brand, explicando que, nesse ambiente, a economia alemã contraiu novamente em 2024.
Principais razões da recessão
A economia alemã tem sofrido pressão em muitas frentes, mesmo antes do início da pandemia de Covid-19, já que a produção industrial vem caindo, ano após ano, desde o início de 2018.
Hoje, a crise atingiu o mercado de trabalho, com quatro em cada dez empresas pretendendo reduzir sua força de trabalho até 2025. Pela primeira vez em oito anos, o desemprego subiu acima de 6% em 2024 e, de acordo com a flexibilidade de alguns especialistas, em 2025, há quase 3 milhões de desempregados. Em comparação com 2019, haviam 2,3 milhões de desempregados.

Entre as principais explicações sobre o que está acontecendo com a economia alemã destaca-se a incerteza devido a conflitos internos (incluindo o fim do sistema tripartido de "semáforos") e externos (como o retorno de Donald Trump à Casa Branca, o conflito Rússia-Ucrânia e o envolvimento de países ocidentais nele).
Tais fatores tornam o cenário político mais turbulento, de modo que as empresas, assim como os próprios cidadãos alemães, reagem a tempos incertos com cautela.
Gás russo
Anteriormente, um dos fatores que contribuíram para o crescimento econômico da Alemanha foi a compra de gás barato da Rússia, que apoiou o desenvolvimento do setor industrial com uso intensivo de energia e impulsionou a competitividade das indústrias externas para a exportação. Entretanto, em 2022, as tubulações diretas de gás russo para a Alemanha cessaram .

De acordo com os cálculos do professor Sebastian Dullien, economista da Fundação Hans Bockler, o PIB da Alemanha caiu significativamente mais do que o de outros países como resultado do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, com o país registrando uma queda no PIB de 5%, representando uma perda média per capita de cerca de 2.600 euros por ano.
"O gás da Rússia foi especialmente importante para a Alemanha. [...] Isso tem a ver com o fato de que temos, por exemplo, uma indústria química muito grande, uma indústria química básica que consome muito gás, a indústria siderúrgica, partes da indústria metalúrgica e a indústria de papel", explicou o professor de economia Clemens Fuest, acrescentando que a economia da Alemanha consome uma porcentagem de energia maior do que a de outros países.
Fator Trump
Por outro lado, os problemas também podem vir dos EUA: se Donald Trump realmente impuser tarifas sobre as importações de produtos da União Europeia, é provável que a UE responda com medidas de retaliação.
Tal cenário poderia iniciar uma guerra comercial que, por sua vez, reduziria a produção econômica alemã em até 180 bilhões de euros ao longo de quatro anos, afetando a engenharia mecânica, as indústrias automotiva e farmacêutica, que já estão em crise.
Assim, na indústria manufatureira, a produção já diminuiu e o valor agregado bruto caiu significativamente (-3,0%) em comparação com o ano anterior, em particular, setores-chave como a fabricação de máquinas e equipamentos ou a indústria automobilística.
Da mesma forma, a produção permaneceu em um nível baixo nos ramos industriais com uso intensivo de energia, que incluem, por exemplo, as indústrias química e metalúrgica.
Crise estrutural e papel da China
Os desafios também se devem ao fato de que o antigo modelo de energia barata e mercados de exportação acessíveis não funciona mais para a Alemanha, de acordo com analistas da instituição financeira ING.
"Dez anos de falta de investimento, deterioração da competitividade e a transformação da China para concorrente industrial feroz tiveram e continuam a ter um impacto negativo sobre a economia alemã", argumentam analistas, reiterando as palavras do chefe da Câmara Alemã de Indústria e Comércio (DIHK), Martin Wansleben, de que a Alemanha enfrenta hoje não apenas uma crise cíclica, mas também "uma crise estrutural sustentada".
O papel da China, que nos últimos anos se tornou a maior ameaça à economia alemã depois de mudar seu modelo de produção, se destaca.
“A economia da China é muito maior, sua indústria agora produz os mesmos bens que a Alemanha e seu crescimento orientado para as exportações está cortando os mercados de exportações europeias e globais da Alemanha”, segundo a análise do Centro de Reforma Europeia publicada em meados de janeiro.
Além disso, a gigante asiática é hoje um dos principais produtores de insumos químicos especiais, máquinas e ferramentas industriais, além de dominar muitos setores de tecnologia limpa e ganhar experiência no desenvolvimento de aeronaves e semicondutores de alta tecnologia.
Como assim sem saída?
A Alemanha continua a manter uma posição estável , apesar de todos os problemas econômicos, mas precisa reformar o seu modelo de negócios, concentrando-se na tentativa de se tornar mais competitivo internacionalmente e transferir os negócios . Além disso, para conseguir uma transição para a neutralidade climática, é preciso adaptar-se ao envelhecimento demográfico e enfrentar o desafio da segurança externa.
Nesse caso, será necessário implementar incentivos fiscais específicos para investimentos, concebíveis na forma de prêmios diretos ou abatimentos de impostos, bem como a redução dos preços da tributação e da burocracia e a simplificação dos procedimentos administrativos.
“Não acho que possamos sair dessa situação tão cedo. Mas agora precisamos finalmente tomar as medidas certas para combatê-la”, opinou o presidente da DIHK, Peter Adrian.
- A estagnação econômica é agravada pela turbulência política no país europeu, que está ligada à popularidade crescente na sociedade do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que propõe sua própria visão para o desenvolvimento do país, prometendo um futuro melhor.
- O dia 23 de fevereiro deve ser o dia das eleições gerais. De acordo com a última pesquisa da Infratest Dimap, a aliança conservadora formada pela União Democrata Cristã (CDU) e pela União Social Cristã (CSU) está em primeiro lugar nas intenções de voto, com 31%, seguida pelo AfD, com 21%, pelo Partido Social Democrata (SPD) de Olaf Scholz, com 15%, e pelos Verdes, com 14%.