Crise na Boeing: falhas, caos e risco de tragédia colocam gigante da aviação em xeque

Investigação revela erros graves na fabricação de aviões, uso de peças defeituosas e pressão por lucro, enquanto reguladores alertam para riscos à segurança.
Três fuselagens do Boeing 737-800 em produção na fábrica da Boeing em Wichita, EUA.

Problemas na produção de aeronaves da Boeing, gigante do setor aeroespacial dos Estados Unidos, afetam a empresa há meses e fizeram de 2024 um ano desastroso. A companhia registrou um prejuízo anual de US$ 11,83 bilhões (cerca de R$ 69 bilhões), o maior desde 2020.

Apesar de a Boeing ter iniciado 2025 com melhora no desempenho e superado a europeia Airbus em produção de aeronaves, especialistas avaliam que esses avanços não serão suficientes para reverter os danos do ano anterior.

"Caos e desespero" 

Em janeiro de 2024, nos EUA, um avião da Alaska Airlines que voava de Portland (Oregon) para Ontário (Califórnia) sofreu despressurização após uma janela quebrar e parte da fuselagem se soltar em pleno voo. Na perícia, foi constatado que mecânicos da empresa usaram sabão líquido em vez de lubrificante adequado na instalação de uma porta da aeronave.

Em março, a Boeing não passou em mais de um terço das auditorias de produção realizadas pela Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA). No fim de maio, o órgão regulador identificou uma possível falha em 292 aeronaves da fabricante que poderia causar incêndios nos tanques de combustível.

Desde o início do ano, a FAA recebeu mais de 200 relatos de falhas de segurança, incluindo manutenção inadequada de peças, fabricação deficiente e inspeções negligentes.

"O caos na fábrica é tão grande que há um desespero por peças. Como temos problemas com fornecedores, para que o avião fosse construído e entregue a tempo, infelizmente algumas dessas peças foram recicladas e usadas novamente nas aeronaves", afirmou Sam Mohawk, inspetor de qualidade da empresa, em entrevista à CBS no início de dezembro.

"É como roleta-russa"

Mohawk disse ter começado a notar problemas durante a pandemia de Covid-19, quando a Boeing passou por dificuldades na cadeia de suprimentos. Segundo ele, funcionários da empresa retiravam repetidamente peças defeituosas da chamada "prisão de peças", onde esses componentes deveriam ser mantidos para impedir sua reutilização.

"Isso pode levar a um evento catastrófico. Pode não acontecer no primeiro ano, mas, com o tempo, essas peças não durarão o esperado. É como uma roleta-russa. Você não sabe se vai cair ou não", alertou Mohawk.

"Faltam milhares de peças, e não são apenas parafusos, mas também lemes, um dos principais componentes para a direção da aeronave."

"Até que alguém morra"

Craig Garriott, que trabalhou quase três décadas na empresa, revelou que houve entre 300 e 400 violações de segurança no último ano. Elas incluem desde extintores e alarmes de incêndio obstruídos até máquinas pesadas bloqueando saídas e impedindo trabalhadores de deixar determinadas áreas da fábrica.

Ele lembrou um episódio em que um satélite de quatro toneladas, avaliado em centenas de milhões de dólares, caiu no chão da fábrica por não estar devidamente protegido. O incidente foi tão grave que Garriott o comparou a "um avião caindo do céu". "Uma pessoa estava embaixo do satélite e quase não conseguiu sair", disse.

"Os gerentes pararam de se concentrar na qualidade e nos trabalhadores e agora estão totalmente focados nos lucros e na velocidade", criticou Garriott. "Receio que, do jeito que a Boeing está hoje, eles só vão me ouvir quando alguém morrer."

No fim de dezembro, mais um problema de segurança foi identificado na Boeing, relacionado ao risco de "falha hidráulica".

Obstáculos à produção

A produção da Boeing também foi afetada por eventos globais, como o conflito na Ucrânia, que interrompeu o fornecimento de titânio. A maior parte do suprimento mundial do metal vem da Rússia, explicou Kevin Michaels, especialista em cadeia de suprimentos e fundador da consultoria Aerodynamic Advisory.

O titânio é amplamente utilizado em aeronaves de grande fuselagem e estaria ainda mais escasso caso a produção de aviões desse tipo não estivesse em volume reduzido.

E ainda, em setembro de 2024, trabalhadores das fábricas da Boeing na região de Seattle, Washington, entraram em greve pela primeira vez desde 2008. O movimento foi vitorioso e resultou em um novo acordo trabalhista, com aumento salarial de 38% ao longo de quatro anos e maiores contribuições previdenciárias.

A paralisação gerou uma perda de receita estimada em US$ 100 milhões (cerca de R$ 580 milhões) por dia e interrompeu por semanas a produção do 737 Max, a aeronave mais vendida da empresa, além dos modelos 777 e 767 de carga, fazendo com que a crise aumentasse.