Apesar de muitas propostas de política externa de Donald Trump serem vistas como extravagantes, os Estados Unidos avançam na adoção de sua agenda, sugerindo que a elite norte-americana concedeu ao republicano um mandato para restaurar a influência global do país.
Essa análise foi feita por Dmitry Yevstafiev, professor da Escola Superior de Economia da Rússia, em artigo publicado na última terça-feira na revista Russia in Global Affairs.
Segundo Yevstafiev, a ausência de uma oposição significativa do establishment indica que há um entendimento de que o mundo pode enfrentar "uma crise sistêmica da globalização centrada nos EUA com seu colapso parcial", e que um plano de contingência já está sendo implementado.
"Chegou um momento em que havia o risco dos EUA perderem controle sobre o desenvolvimento do mundo global. Isso condicionou não apenas a segunda, mas provavelmente a primeira chegada de Trump à Casa Branca. Na primeira vez, entretanto, seu papel era apenas o de abalar o sistema político. Agora, provavelmente, estamos falando de uma ruptura mais profunda de tendências desfavoráveis", afirmou o especialista.
Com o respaldo de grande parte da elite norte-americana, Trump tem promovido a ideia da "Fortaleza EUA", uma estratégia baseada na "nova fronteira atlântica", cuja viabilidade, segundo Yevstafiev, ainda é incerta.
A "Fortaleza EUA" e os obstáculos
De acordo com o analista, embora as propostas de Trump sejam coerentes com as prioridades históricas da política externa dos EUA, um retorno completo ao isolacionismo é inviável.
Um dos fatores é à complexidade das relações atuais com os parceiros europeus.
"A Europa atlântica [Europa Ocidental] agora parece uma mala com duas alças quase arrancadas: a norte-americana e a europeia. Trump propõe uma divisão, ignorando o fato de que a Europa está se tornando um espaço de competição com outras forças na periferia", analisou Yevstafiev.
Outro desafio está na polarização interna da sociedade dos EUA e na falta de "coerência sócio-ideológica" dentro do país, aprofundada pela decadência do regime bipartidário, destacou o especialista.
Por sua vez, a América Latina tem fundamental importância. Para Yevstafiev, sem controle sobre seus recursos, a realização da "Fortaleza EUA" é inviável:
"Até que ponto os EUA, em seu estado atual, têm os recursos para controlar o desenvolvimento econômico da região, quanto mais seu desenvolvimento político? Isso torna inevitável o retorno à abordagem tradicional e amplamente colonial da América Latina. Resta a questão das ferramentas do novo neocolonialismo: é improvável que as corporações transnacionais clássicas funcionem nessa nova situação", afirmou o cientista político.
Por fim, Yevstafiev destacou que o estado atual das instituições ocidentais, que enfrentam uma crise, também é um grande entrave.
Para implementar o projeto geopolítico de Trump, seria necessária uma reformulação do sistema financeiro global centrado no dólar, levando-se em consideração que os EUA estão próximos de um possível default parcial devido à quantidade de dólares em circulação.
No entanto, essa própria reformulação pode ser perigosa e gerar impactos severos.
"Sem as finanças centradas no dólar, a hegemonia dos EUA não pode existir; sua crise terá sérias consequências dentro dos próprios Estados Unidos", concluiu Yevstafiev.