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Comando Sul dos EUA quer lançar um "Plano Marshall" na América Latina

A chefe do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, está pedindo aos dirigentes do país que ofereçam às nações latino-americanas um plano de ajuda semelhante ao que Washington forneceu à Europa no período pós-guerra. No entanto, os especialistas acreditam que sua intenção é justificar uma presença militar dos EUA na região para combater a Rússia e a China.
Comando Sul dos EUA quer lançar um "Plano Marshall" na América LatinaX @USAmbCL

As autoridades e empresas privadas dos EUA devem fazer mais para combater a influência da China e da Rússia na América Latina, declarou a chefe do Comando Sul, a general Laura Richardson, no Fórum de Segurança de Aspen na semana passada.

Richardson afirmou que nem todos os países da região se recuperaram do impacto econômico da pandemia, criando uma instabilidade da qual Moscou e Pequim estão "tirando proveito", oferecendo dinheiro aos países ou pedindo que eles se juntem à Iniciativa do Cinturão e Rota.

Essa iniciativa foi apresentada pelo mandatário chinês, Xi Jinping, em 2013, sendo uma estratégia de desenvolvimento de infraestrutura e investimentos em países da Europa, Ásia e África.

"Não temos esses tipos de ferramentas em nossa mochila, como podemos contribuir para isso? Acredito firmemente que precisamos de um 'Plano Marshall' para a região, ou uma lei de recuperação econômica como a de 1948, mas em 2024, 2025", explicou.

Ajuda altruísta ou um instrumento de influência?

O "Plano Marshall" foi um programa de ajuda econômica para a Europa no período pós-guerra, desenvolvido pelo então secretário de Estado George Marshall e lançado em 1948, que forneceu cerca de 13,3 bilhões de dólares em ajuda a 16 países (equivalente a cerca de 150 bilhões de dólares atuais).

O programa atendeu diretamente aos interesses de Washington, fornecendo empregos nos próprios EUA e garantindo um enorme fluxo de produtos norte-americanos para os mercados europeus. Também é visto como uma importante ferramenta da Guerra Fria, já que contribuiu para combater a popularidade das ideias socialistas nos países europeus e o distanciamento da União Soviética, dividindo a Europa em dois blocos.

"Tudo o que veem são os guindastes chineses"

O chefe do Comando Sul observou que os EUA estão tendo cada vez mais dificuldade para competir na região da América Latina. "Eles [os líderes latino-americanos] não veem o que a equipe dos EUA está trazendo para os países e os investimentos - embora o investimento estrangeiro direto seja realmente alto - eles não veem isso", manifestou Richardson.

"Tudo o que veem são os guindastes chineses e todo o desenvolvimento e os projetos da Iniciativa do Cinturão e da Rota", lamentou.

Richardson disse que está preocupada com a possibilidade de Pequim usar esses projetos para obter vantagens militares estratégicas. "Se for para fazer o bem no hemisfério, sou totalmente a favor. Mas fico um pouco desconfiada quando há muito investimento em infraestrutura essencial em países da região - portos de águas profundas, 5G, segurança cibernética, energia, espaço", explicou.

"Eu me preocupo com a natureza de uso duplo disso. Essas são empresas estatais de um governo comunista e eu me preocupo que elas se transformem rapidamente em aplicações militares", acrescentou.

Uma ameaça artificial?

As declarações de Richardson provocaram reações contraditórias nos EUA. Kelley Beaucar Vlahos, consultora sênior do Quincy Institute, um centro analítico de política externa, questionou se os comentários da general são uma forma de canalizar grandes recursos militares para a região.

Em maio, Juan Gabriel Tokatlian, pesquisador argentino e professor de Relações Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella, chamou a atenção para a dubiedade das afirmações de Richardson sobre a ameaça chinesa na América Latina.

De acordo com ele, "a histeria antissoviética e anticomunista que caracterizou o período da Guerra Fria ainda está viva, até certo ponto, com a ascensão da China". Ele citou o discurso de Richardson ao Congresso dos EUA em março deste ano, durante o qual pronunciou a palavra "malicioso" 24 vezes em referência às ações de Pequim e Moscou na região.

Além disso, ao examinar os dados de cooperação em defesa entre os países latino-americanos, Tokatlian concluiu que os relatos de uma suposta ameaça chinesa são necessários para que Washington aumente seus próprios gastos militares. Assim, o Comando Sul solicitou um aumento de quase 50% de seu orçamento até 2025.

"A presença militar dos EUA na região é muito maior e inclui acordos de cooperação portuária, aeroespacial e fluvial. Não há análogos chineses a esses acordos", observou o especialista.

"Na América Latina, onde as taxas de homicídio estão disparando e as armas de fogo são uma das principais causas de morte, o redimensionamento da presença militar chinesa nos deixa com uma pergunta provocativa: de que serve uma corrida armamentista dos EUA com um concorrente que não está nem perto de ser um par?", questionou Tokatlian.