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Dolarização e tráfico de drogas: o vínculo por trás do conflito interno do Equador

O dólar permite que os criminosos contornem a desvalorização de uma moeda local e movimentem dinheiro mais facilmente entre países, em um momento em que grandes grupos criminosos se internacionalizaram.
Dolarização e tráfico de drogas: o vínculo por trás do conflito interno do EquadorGettyimages.ru / Gerardo Menoscal / Agência Press South

O crime organizado declarou guerra ao Governo equatoriano. A onda de ataques, sequestros e atentados que vem ocorrendo desde domingo espalhou o terror e revelou uma crise de segurança sem precedentes no país, que em apenas alguns anos se tornou um "reino" de traficantes de drogas.

Vários fatores fizeram com que essas gangues florescessem, incluindo os efeitos adversos da pandemia, a retirada do Estado de áreas importantes nos últimos anos e o sucesso do comércio de drogas em uma nação dolarizada sem um banco central. Essas duas últimas condições foram promessas, ainda não cumpridas, feitas pelo presidente libertário da Argentina, Javier Milei.

A dolarização, introduzida em 2000 pelo então presidente Jamil Mahuad, conseguiu controlar a hiperinflação depois de uma profunda crise financeira, mas aumentou a pobreza, exceto nos anos do ex-presidente esquerdista Rafael Correa (2007-2017), e reduziu a capacidade do Estado de controlar a economia (já que não conseguiu administrar a emissão monetária).

Com o fim do Governo de Correa e a subsequente deterioração da segurança, as gangues criminosas ficaram mais fortes, pois lavavam dinheiro ilícito à vontade.

O dólar permite que os narcotraficantes evitem a desvalorização e movimentem dinheiro mais facilmente entre os países, em anos em que grandes grupos se internacionalizaram.

"Não há nenhum vestígio de troca cambial"

"Como é possível que o tráfico de drogas tenha avançado tanto no Equador?", perguntou um jornalista a Daniel Noboa, então candidato à presidência, em 2023.

"Primeiro porque não há controle real de fronteiras, porque nossos portos são totalmente desprotegidos. Porque somos dolarizados e isso é um elemento que ajuda o narcoterrorismo, porque eles não precisam trocar de moeda. Os dólares simplesmente entram e saem. Não há nenhum rastro de câmbio", respondeu o agora presidente.

Um relatório do Centro Estratégico de Geopolítica (CELAG) fornece dados assustadores: em 2021, 3,5 bilhões de dólares de dinheiro sujo foram lavados no sistema financeiro, quase o triplo dos 1,2 bilhão de dólares estimados entre 2007 e 2016.

"Seis anos de minimização do Estado e desinstitucionalização do país deixaram um balanço social e econômico desanimador: pobreza, violência e instituições capturadas pelo narcotráfico", afirma o relatório.

E continua: "A essa economia de desastre social, podemos acrescentar um efeito paradoxal: a 'estabilidade macroeconômica do narcotráfico', entendida como a capacidade dos narcodólares de penetrar no sistema financeiro, aumentar a taxa de lucro dos bancos e proporcionar uma falsa estabilidade financeira e monetária, o que é discordante da saúde da economia real (emprego, produção e pobreza)".

Equador, "sede logística"

O presidente, que decretou estado de emergência na segunda-feira após graves episódios em prisões, admitiu que o país está imerso em um "conflito armado interno".

Por sua vez, o economista Ludwing Álvarez Rengifo enfatizou em uma entrevista recente à RT que a origem da crise "não é outra senão econômica". "É necessário atacar a dolarização, que é o que permitiu que o Equador, 23 anos depois de ter sido submetido a esse regime inadequado de política monetária, começasse a mostrar que os centros criminosos de todo o mundo tomaram o Equador como uma sede logística para poder gerar distribuição", disse ele.

De acordo com a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), o Equador, localizado entre a Colômbia e o Peru, as duas maiores nações produtoras de drogas, tornou-se uma "superestrada da cocaína" devido ao tráfico em grande escala através de seus portos no Pacífico.

Além dos grupos locais, o país andino é o lar de organizações criminosas internacionais, incluindo as da Colômbia, México, Albânia e China.

Superlotação e violência nas prisões


O aumento da produção de drogas e do tráfico ilegal de armas levou a um crescimento das taxas de homicídio na última década. Somente em 2023, esse índice atingiu 7,07 pontos na medida GI-TOC, o que é maior do que a média global de crimes, com 5 pontos.

Esse indicador inclui crimes como tráfico de pessoas, contrabando de flora e fauna, extorsão, tráfico ilegal de armas, tráfico de drogas, comércio ilegal de produtos falsificados, redes criminosas, máfias, crimes eletrônicos e financeiros, organizações criminosas transnacionais, entre outros.

Em meio a essa situação, nenhum dos últimos Governos conseguiu controlar o sistema penitenciário disfuncional, que se tornou um terreno fértil para a criminalidade e onde a superlotação alimenta a violência.

Nesse sentido, o ex-presidente Rafael Correa garantiu que a crise atual não é responsabilidade de Noboa, "que está no cargo há seis semanas", mas de seus antecessores Lenín Moreno e Guillermo Lasso, a quem ele culpou por permitir a infiltração de máfias do crime organizado no Estado.

O ex-presidente, que durante seu governo deixou o país como o segundo mais seguro da América Latina, reconheceu que sempre houve crime organizado na nação, mas disse que a "diferença crucial" é que agora há "infiltração das Forças Armadas e da Polícia".

Atualmente, o Equador registra 42 homicídios por 100.000 habitantes, o que o torna o país mais violento da região e um dos cinco mais violentos do mundo.

"Falta de oportunidades"

Durante uma visita ao Equador em setembro, Olivier De Schutter, relator especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, denunciou que "a falta de oportunidades de trabalho e a educação precária fizeram com que os jovens fossem facilmente recrutados por gangues criminosas".

"Essas gangues, por sua vez, estão alimentando a pobreza ao extorquir pequenas empresas, tomar conta de escolas e interromper a educação das crianças, além de gerar tanto medo e desespero que um número cada vez maior de equatorianos está simplesmente deixando o país. Esse círculo vicioso só pode ser quebrado se o país investir mais em seu povo", advertiu.

Entre outras coisas, ele mencionou que os US$ 4,5 bilhões destinados a subsídios para combustíveis em 2022 deveriam ter sido gastos no financiamento de escolas e assistência médica para as comunidades mais pobres e no aumento da proteção social.

"O alarme com o recente aumento da criminalidade e da violência no Equador, incluindo o hediondo assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, não deve nos distrair das causas fundamentais dessa insegurança", informou.