Notícias

Suspeito de feminicídio recebeu R$ 12 milhões de produtora ligada ao filme de Bolsonaro

Instituto Conhecer Brasil, da produtora do filme "Dark Horse", subcontratou empresa de homem preso por espancar e jogar a esposa do 10º andar de um prédio na zona sul de São Paulo.
Suspeito de feminicídio recebeu R$ 12 milhões de produtora ligada ao filme de BolsonaroReprodução/Divulgação

Preso sob acusação de espancar e jogar a esposa do 10º andar de um prédio na zona sul de São Paulo, Alex Leandro Bispo dos Santos é proprietário da empresa Favela Conectada, que recebeu R$ 12 milhões da ONG Instituto Conhecer Brasil (ICB). A organização é presidida por Karina Ferreira da Gama, também produtora executiva do filme "Dark Horse", cinebiografia do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A informação foi revelada pelo portal Metrópoles nesta quinta-feira (11) e se soma à reportagem do Intercept Brasil, publicada na quarta-feira (10), que detalha os repasses milionários da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ao Instituto Conhecer Brasil — única participante de um edital de R$ 108 milhões para implantação de Wi-Fi em comunidades da capital.

Com isso, o suspeito de feminicídio aparece como beneficiário de um contrato público operado por uma ONG ligada à produção do filme de Bolsonaro, responsável por repassar a ele parte dos recursos pagos pela prefeitura.

R$ 12 milhões para serviço prestado por dois meses

A Favela Conectada foi subcontratada pelo ICB para atuar na instalação e manutenção de pontos de Wi-Fi na zona sul e zona oeste da cidade. Segundo documentos revelados pelo Metrópoles, a empresa de Alex Bispo recebeu pagamentos equivalentes a 12 meses de manutenção, embora os pontos tenham funcionado, na prática, por apenas dois meses.

Em abril de 2025, a empresa foi remunerada por serviços de manutenção de 218 pontos, entre 22 e 28 de abril, com contrato válido somente até 30 de junho do mesmo ano. Segundo os valores informados, a prefeitura pagou R$ 2,7 milhões à ONG pela manutenção desses pontos, embora o custo efetivo, considerando o tempo real de funcionamento, tenha sido de apenas R$ 273 mil.

Ainda segundo o Metrópoles, o contrato entre Favela Conectada e o ICB está assinado apenas com o nome "Alex" e o CPF parcialmente oculto. O nome completo de Alex Leandro Bispo dos Santos e da vítima Maria Katiane Gomes da Silva, sua esposa, aparece em outro documento vinculado ao projeto: um termo de operação de dados.

ONG de Wi-Fi e produtora de cinebiografia

A presidente da ONG contratada pela prefeitura para executar o projeto de Wi-Fi gratuito é Karina Ferreira da Gama, também sócia da Go Up Entertainment, produtora do filme "Dark Horse", que narra a trajetória de Jair Bolsonaro até a presidência. O longa está sendo gravado em inglês e é promovido como uma superprodução internacional com direção de Cyrus Nowrasteh e atuação de Jim Caviezel, intérprete de Jesus em "A Paixão de Cristo".

Além da Go Up e do Instituto Conhecer Brasil, Karina também lidera outras organizações que já foram beneficiadas com emendas parlamentares de deputados ligados a Bolsonaro.

Segundo apuração do Intercept, a Academia Nacional de Cultura, também presidida por ela, recebeu R$ 2,6 milhões de emendas de nomes como Carla Zambelli, Alexandre Ramagem, Bia Kicis e Marcos Pollon para produção de uma série documental que nunca saiu do papel.

R$ 108 milhões e 20 irregularidades

O contrato do ICB com a prefeitura de São Paulo foi fechado em junho de 2024, no valor de R$ 108 milhões, por meio de um edital que, segundo o Tribunal de Contas do Município, apresenta pelo menos 20 irregularidades. Entre os pontos destacados estão a ausência de concorrência e a adoção de critérios genéricos para a escolha da organização.

A implantação de cada ponto de Wi-Fi custou R$ 1.800, e a manutenção mensal, o mesmo valor. A título de comparação, contratos anteriores com a empresa pública Prodam custavam R$ 230 pela implantação e R$ 306 mensais pela manutenção.

Inicialmente, o plano previa a instalação dos pontos a partir de janeiro de 2025. No entanto, segundo o próprio ICB, a gestão Ricardo Nunes antecipou a execução para setembro de 2024, durante o período eleitoral. Em outubro, mês do segundo turno das eleições municipais, 1.605 pontos já estavam ativos.

A prefeitura aceitou, ainda, usar 30 de junho de 2024 como data-base para todos os pontos, mesmo com os relatórios apontando datas posteriores. Isso permitiu que fossem realizados pagamentos antecipados, com base em pontos que ainda não haviam sido instalados. Até junho de 2025, apenas 3.200 dos 5 mil pontos foram efetivamente implantados.

Subcontratações e estrutura paralela

Ao todo, o Instituto Conhecer Brasil firmou sete contratos com empresas terceirizadas, totalizando R$ 98 milhões. Entre elas está a UltraIP, um pequeno provedor da zona leste de São Paulo, contratada por R$ 30 milhões para implantar os pontos de Wi-Fi, e a Make One, com contrato de R$ 36 milhões para locação de equipamentos.

Chamam atenção os contratos com duas empresas de um mesmo casal, André e Débora Feldman, que receberam juntos quase R$ 12 milhões por "gestão técnica da operação" — descrita com os mesmos termos em duas notas fiscais diferentes, obtidas pelo Intercept. Débora, signatária de um dos documentos, se apresenta nas redes sociais como terapeuta holística.

Filmagens sob sigilo e denúncias no set

As gravações do filme "Dark Horse ocorreram entre outubro e novembro em São Paulo. Em uma das cenas principais, centenas de figurantes participaram da reencenação da facada sofrida por Bolsonaro em 2018. A produção não deixou claro, em documentos oficiais para uso de espaços públicos, que se tratava de um filme sobre Bolsonaro. A sinopse entregue à prefeitura mencionava apenas "um soldado".

Segundo apuração da revista Fórum, profissionais relataram irregularidades trabalhistas no set, incluindo descumprimento de convenções coletivas, ausência de contratos e até relatos de agressões físicas. O Sindicato dos Artistas de São Paulo criticou a atuação da produtora e cobrou explicações.

Histórico de emendas e eventos religiosos

Antes do projeto de Wi-Fi, o Instituto Conhecer Brasil atuava majoritariamente com eventos religiosos e educacionais financiados por emendas parlamentares. Em 2018, organizou um evento gospel na zona norte de São Paulo com recursos do vereador Milton Leite e do bispo Atílio Francisco, ambos aliados da Igreja Universal.

Em 2025, o ICB recebeu duas emendas de R$ 1 milhão cada do deputado federal Mário Frias para projetos de inclusão digital e esporte. A mesma empresa ligada a Karina também prestou serviços para a campanha eleitoral de Frias à Câmara dos Deputados em 2022.