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'Paz, Lenin, URSS': as mensagens enviadas pela URSS e pela Rússia a civilizações extraterrestres

Diversos sinais foram transmitidos ao espaço desde 1962 em busca de contato com civilizações extraterrestres, incluindo mensagens personalizadas e concertos infantis.
'Paz, Lenin, URSS': as mensagens enviadas pela URSS e pela Rússia a civilizações extraterrestresSputnik

A existência de vida em outros planetas é uma das questões que desperta o interesse das civilizações humanas há séculos. Algumas tentativas de comunicação com civilizações extraterrestres surgiram na União Soviética (URSS) após o primeiro voo espacial de Yuri Gagarin, de 1961. Entretanto, as pesquisas nessa área remontam a tempos anteriores, ainda durante o Império Russo, no Século XX.

cientista Edvard Neovius já insistia na necessidade de estabelecer contato com civilizações fora do nosso planeta em 1876, em seu livro "A maior tarefa do nosso tempo". Ele propôs o uso de sinais luminosos para esse fim e não apenas demonstrou a viabilidade técnica dessa comunicação, mas também construiu uma linguagem especial baseada nos princípios da lógica matemática.

Era claro que o custo projeto do projeto não poderia ser bancado por um único país. Era necessária cooperação, uma utopia para uma época em que a exploração espacial não era considerada prioridade nacional.

'Paz. Lenin. URSS'

URSS era líder indiscutível na exploração espacial no início da década de 1960, tornando pouco surpreendente que cientistas soviéticos tenham enviado a primeira mensagem ao espaço, buscando estabelecer contato com outras formas de vida.

Os sinais "Paz. Lenin. URSS" foram a primeira mensagem de rádio da humanidade para civilizações extraterrestres, enviada em novembro de 1962 do Centro de Comunicações Espaciais de Longo Alcance (CDKS) da URSS em Eupatória, localizada na península da Crimeia. 

O sinal foi transmitido em código Morse para Vênus e continua sua viagem até hoje, rumo à constelação de Libra. Encontrar civilizações em outros planetas, no entanto, ainda não era o objetivo; na verdade, a ideia era localizar Vênus por rádio. Oleg Rzhiga, pesquisador do Instituto de Rádio-engenharia e Eletrônica (IRE) da Academia Russa de Ciências, propôs o uso do código Morse para a mensagem.

Ao variar a frequência do transmissor de rádio, os cientistas repetiam as letras com certa periodicidade. Assim, em 19 de novembro de 1962, a palavra "Mir" ("Paz", em russo) foi enviada ao espaço e, em 24 de novembro do mesmo ano, as palavras "Lenin" e "URSS" foram transmitidas. O sinal refletido de Vênus foi recebido em Eupatória quatro minutos e meio depois.

Os "Chamados Cósmicos"

A mensagem seguinte para o espaço foi enviada do CDKS de Eupatória em 1999. Naquela época, em meio a problemas econômicos que acompanharam o colapso da URSS, o governo da Rússia não alocou fundos para tais programas devido a perspectivas incertas.

Os cientistas russos avançavam nessa área da cosmologia apenas no campo teórico, sem financiamento para pesquisas experimentais, até que o empresário americano Charles Chafer apresentou em 1998 a ideia do projeto "Encounter 2001".

A primeira parte do plano, denominada "A viagem milenar", previa o envio de uma sonda espacial com fotografias, cartas e DNA para estrelas próximas. O "Chamado cósmico" compunha a segunda parte, buscando retomar as transmissões de rádio ao espaço. Chafer queria usar os radares planetários americanos de Arecibo ou Goldstone para enviar as mensagens, mas a grande carga de trabalho de outros programas impediu que o projeto fosse levado adiante.

Então, o pesquisador soviético Alexander Zaitsev, chefe do Instituto de Rádio-engenharia e Eletrônica (IRE) da Academia de Ciências da Rússia, propôs em 1999 utilizar o radiotelescópio RT-70 para a realização do projeto, em Eupatória. Cerca de 50 mil pessoas contribuíram para tornar o projeto realidade, após divulgarem a possibilidade de enviar uma mensagem personalizada ao espaço, limitada a 30 palavras, por uma taxa de US$ 15. Os fundos arrecadados permitiram enviar não apenas mensagens privadas ao espaço, mas também uma mensagem científica completa.

Foi desenvolvida uma linguagem chamada Lincos especificamente para as transmissões. As primeiras partes da mensagem ajudavam a decifrar o texto completo, que incluía uma descrição dos conhecimentos científicos das civilizações humanas. O fim da mensagem convidava a responder todos os que recebessem o sinal, trocando informações sobre sua civilização.

A mensagem foi enviada a quatro estrelas das constelações Cygnus e Sagitário, selecionadas a partir de uma lista do Instituto de Busca por Inteligência Extraterrestre (SETI, na sigla em inglês), cujos principais critérios foram sua semelhança com o Sol e a existência de planetas ao seu redor.

A seguinte edição do projeto foi transmitida em 6 de julho de 2003. Desta vez, foram enviadas mensagens para cinco estrelas das constelações de Andrômeda, Órion, Câncer, Ursa Maior e Casiopeia.

Concerto infantil

Entre agosto e setembro de 2001, realizou-se outro projeto de transmissão, em que participaram estudantes escolares da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia.

O sinal incluía uma seção musical, um emblema gráfico, texto em russo e inglês e um dicionário de imagens. De acordo com o astrofísico soviético Lev Gindilis, cerca de mil estudantes dos três países apresentaram suas sugestões para a mensagem.

Zaitsev propôs o uso do teremim, um instrumento eletrônico criado pelo engenheiro russo Lev Sergeyevich Termen em 1920, para transmitir o concerto. O repertório reproduzido incluiu a composição "Vocalise", de Rachmaninoff, "As quatro estações", de Vivaldi, a canção popular russa "Kalinka-Malinka" e uma das sinfonias de Beethoven.

A parte digital da mensagem foi codificada utilizando o código binário, da mesma forma que o "Chamado Cósmico". Ela continha texto em russo e inglês e, entre outras coisas, dizia o seguinte:

"Olá, amigos cósmicos! Nós, os filhos do planeta Terra, enviamos esta mensagem a vocês. Saibam que não estão sozinhos no universo. Oferecemos nossa amizade. A galáxia em que vivemos é o nosso lar comum... Vivemos em famílias: pais e filhos. As crianças adoram brincar. Queremos mostrar a vocês os nossos jogos, desenhos e música. Uma pessoa vive cerca de 80 anos. Nós, as crianças que escrevem esta mensagem, temos agora entre 13 e 18 anos e esperamos receber sua resposta..."

A mensagem foi transmitida em três sessões nos dias 29 de agosto, 3 e 4 de setembro de 2001. O sinal foi direcionado para seis estrelas nas constelações de Delfin, Gêmeos, Ursa Maior, Virgem, Draco e Hidra.

A mensagem das redes sociais

A última mensagem transmitida a civilizações extraterrestres do CDKS de Eupatória foi enviada em 9 de outubro de 2008, como parte do projeto internacional "Uma Mensagem da Terra".

Foram selecionadas 501 mensagens por meio de um concurso na rede social Bebo (acrônimo de "Blog early, blog often"). Mais de meio milhão de pessoas — entre elas políticos, atores e músicos de destaque — enviaram seus textos, desenhos e fotografias.

"Entendo que, na maioria dos casos, essas mensagens podem ser ingênuas, mas também espero que obtenhamos uma perspectiva criativa e nova sobre esse assunto", afirmou Zaitsev, consultor principal do projeto.

A mensagem foi enviada à estrela Gliese 581, na constelação de Libra, que se destaca por apresentar três planetas habitáveis. O sinal chegará a seu destino em 2029 e, se houverem receptores dispostos a respondê-lo, a humanidade poderá receber um retorno por volta de 2049.

Os projetos atuais

Desde 2014, o CDKS de Eupatória funciona como centro de controle de todo o conjunto de satélites russos vinculado ao Ministério da Defesa.

O projeto russo mais recente capaz de realizar a busca por extraterrestres é o observatório espacial astrofísico Spektr-M, que poderá procurar estruturas gigantes em outros planetas como indicação de civilizações extraterrestres, reporta o pesquisador Alexander Panov, do Instituto de Física Nuclear da Universidade Estadual de Moscou.

"Em nosso país, as buscas por sinais são realizadas tanto em bandas de rádio quanto em bandas ópticas em um observatório astrofísico especializado (Karachay-Cherkessia), utilizando o radiotelescópio RATAN-600 e diversos telescópios ópticos", relatou Panov. "A verdadeira implementação do programa de busca por inteligência extraterrestre (SETI) ainda está por vir. (...) Em um futuro próximo, planejamos realizar uma conferência internacional sobre o SETI na Rússia".