Os ultraprocessados passaram a representar 23 % da alimentação dos brasileiros em 2024, conforme estudos publicados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em colaboração com acadêmicos australianos e chilenos, em novembro.
Carlos Augusto Monteiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, é um dos autores da pesquisa e um dos formuladores do conceito de ultraprocessados, ainda em 2009. O termo designa produtos industrializados e compostos por ingredientes de baixa qualidade e aditivos cosméticos, como corantes e aromatizantes.
"O objetivo do ultraprocessamento (...) é a maximização do lucro", aponta um dos artigos. "As tecnologias de ultraprocessamento reduzem os custos de produção e distribuição, substituindo ingredientes mais caros por substitutos modificados mais baratos, diminuindo o peso do produto para transporte e prolongando sua vida útil."
Os ultraprocessados contribuem para dietas com baixo valor nutricional e alta densidade calórica, elevando o risco de doenças crônicas, como câncer, diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares.
Os estudos demonstraram que os ultraprocessados promovem uma dieta nutricionalmente deficiente e com baixa densidade energética, elevando a ingestão calórica e o risco de doenças crônicas, como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.
A publicação identifica que a elevação acompanha um padrão global, ao passo que 93 países relatam aumentos consistentes nesse tipo de alimento.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, mais da metade da dieta diária é composta por ultraprocessados, padrão mantido nas últimas duas décadas.
Embora menores que nos EUA e Reino Unido, México e Brasil viram o consumo de ultraprocessados subir de 10% para 23% desde os anos 1980, índice considerado alarmante pelos pesquisadores.
Recomendações
Os estudos ressaltam que a responsabilidade desse aumento não recai apenas sobre os consumidores, mas sobre as corporações globais, que mantêm o setor de ultraprocessados como o mais lucrativo da indústria alimentar. Seu faturamento anual é avaliado em cerca de US$ 1,9 trilhão (aproximadamente R$ 10,1 tri), ampliando sua influência política e moldando dietas em escala mundial.
Eles recomendam que fabricantes sejam responsabilizados pela promoção de dietas nocivas, adotando restrições mais rigorosas à divulgação desse tipo de produto, geralmente conduzida por estratégias agressivas de marketing.
A rotulagem explícita de aditivos, a proibição de ultraprocessados em instituições públicas, restrições à publicidade direcionada a crianças e a taxação adicional estão dentre as medidas propostas, a serem combinadas com a ampliação do acesso a alimentos saudáveis. Nesse sentido, os autores observam positivamente o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), adotado no Brasil desde 2009.
"O PNAE fornece atualmente refeições para mais de 40 milhões de estudantes de 0 a 18 anos (ou seja, aproximadamente 80% de todos os estudantes escolares), tornando-se um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo", avalia outro dos artigos. "[Ele] serviu de modelo para diversos países e organizações internacionais que buscam implementar políticas de alimentação e nutrição com dupla e tripla finalidade em outros contextos."
Uma resposta global coordenada, segundo os autores, é necessária para articular aspectos de negociação política, comunicação, ordem legal e pesquisa científica. "Nosso estudo mostra que um caminho diferente é possível, um caminho em que governos regulamentam com eficácia, comunidades se mobilizam e dietas saudáveis tornam-se acessíveis e viáveis para todos", afirma Phillip Baker, pesquisador australiano da Universidade de Sydney, citado na publicação.