Ordem para 'não deixar sobreviventes' marcou primeiro ataque dos EUA a barco no Caribe – WP

Reportagem afirma que secretário de Guerra Pete Hegseth determinou a morte de todos os ocupantes de uma embarcação suspeita de tráfico de drogas em operação.

O secretário de Guerra dos Estados Unidos, Pete Hegseth, teria dado uma ordem direta para "matar todos" os ocupantes de uma embarcação suspeita de tráfico de drogas no Caribe, durante um ataque realizado em 2 de setembro, segundo reportagem do The Washington Post publicada nesta sexta-feira (28). O episódio marcou o início da campanha militar do governo Donald Trump contra supostos traficantes na região.

De acordo com o jornal, análises de inteligência indicavam "alta confiança" de que as 11 pessoas a bordo transportavam drogas. Um míssil foi lançado próximo à costa de Trinidad, incendiando a embarcação. Após a primeira explosão, dois sobreviventes foram vistos agarrados aos destroços.

Segundo fontes ouvidas pelo jornal, o comandante da Comando Conjunto de Operações Especiais, almirante Frank M. "Mitch" Bradley, ordenou um segundo ataque para cumprir a determinação de Hegseth. Os dois homens morreram no local.

Crimes internacionais

A ordem, não divulgada até agora, coloca um novo elemento ao debate sobre a legalidade da campanha, que já resultou em mais de 80 mortes. Especialistas em direito de guerra entrevistados pelo jornal afirmaram que a operação pode ser considerada ilegal, já que os supostos traficantes não representariam ameaça iminente aos EUA e não estariam em "conflito armado" com o país.

"Matar qualquer um dos homens nos barcos equivale a assassinato", disse Todd Huntley, ex-advogado militar e diretor do programa de direito de segurança nacional da Georgetown Law. Ele afirmou ainda que uma ordem para eliminar sobreviventes "seria um crime de guerra".

O Pentágono negou as informações. Em nota ao jornal, o porta-voz Sean Parnell declarou: "Toda essa narrativa é completamente falsa. As operações para desmantelar o narcoterrorismo têm sido um sucesso retumbante".

Segundo quatro fontes citadas pelo Washington Post, o ataque foi conduzido pelo SEAL Team 6, uma unidade de elite. Bradley teria explicado, em chamada sigilosa, que os sobreviventes ainda seriam "alvos legítimos" por poderem acionar resgate de outros traficantes. O vídeo divulgado publicamente pelo presidente Donald Trump, um trecho de 29 segundos, não mostra o ataque final contra os dois homens.

Nas semanas seguintes ao primeiro ataque, a administração Trump notificou o Congresso de que os EUA estariam em um "conflito armado não internacional" contra "organizações terroristas designadas", amparando-se em parecer jurídico do Departamento de Justiça para proteger militares de eventuais acusações.

Desde então, pelo menos outras 22 embarcações foram atingidas no Caribe e no Pacífico Leste, matando 71 suspeitos, segundo dados internos obtidos pelo jornal.

'Double tap'

Documentos, segundo o jornal, forneceram explicações divergentes. A versão apresentada a parlamentares indicava que o segundo ataque, chamado de "double tap", teria como objetivo afundar a embarcação e evitar riscos à navegação. A justificativa foi recebida com ceticismo.

"A ideia de que os destroços de um pequeno barco em um vasto oceano representam risco ao tráfego marítimo é absurda, e matar sobreviventes é flagrantemente ilegal", afirmou o deputado Seth Moulton (Democrata-Massachusetts).

"Lembrem-se das minhas palavras: pode levar algum tempo, mas os americanos serão processados ​​por isso, seja por crime de guerra ou por assassinato premeditado", disse.

A embarcação atingida foi alvejada quatro vezes no total, segundo o jornal. Em operações posteriores, também foram usados múltiplos mísseis para eliminar restos de barcos após ataques fatais.

Fontes militares ouvidas pelo Washington Post afirmaram duvidar que todos os 11 ocupantes do primeiro barco fossem traficantes, sugerindo possível presença de migrantes ou trabalhadores explorados. O governo Trump afirmou que o alvo eram membros do grupo venezuelano 'Tren de Aragua', mas não apresentou evidências.

A falta de transparência preocupa especialistas. O Post afirma que não houve divulgação de vídeos completos das ações, e pedidos bipartidários por imagens sem edição não foram atendidos. Para Huntley, a ausência de dados impede fiscalização eficaz: "A única supervisão real é a pressão pública e política".