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Ceará autoriza data center do TikTok a usar volume de água sete vezes maior que o previsto

Outorga foi concedida com base em autodeclaração da empresa solicitante do processo de licenciamento ambiental.
Ceará autoriza data center do TikTok a usar volume de água sete vezes maior que o previstoGettyimages.ru / Christoph Soeder/picture alliance

A Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH) autorizou a Casa dos Ventos, parceira do TikTok na construção de um data center em Caucaia, a utilizar um volume de água 7,3 vezes maior do que o informado no início do processo de licenciamento ambiental. A informação foi divulgada pelo Intercept Brasil nesta quinta-feira (27).

Segundo o portal, a empresa havia declarado no pedido de licença prévia que o consumo diário seria de 19,7 mil litros. Porém, na licença de instalação emitida pela Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace) em 14 de novembro, foram anexadas duas outorgas que, juntas, autorizam o uso de até 144 mil litros de água por dia. Cada outorga libera 72 mil litros diários, totalizando 26,28 milhões de litros por ano em cada autorização.

Ainda de acordo com o Intercept, a outorga foi emitida com base em uma "declaração de suficiência hídrica" apresentada pela própria empresa. Em resposta, a SRH afirmou que, para projetos classificados como "de baixo impacto", o próprio empreendedor declara que o manancial é capaz de suprir a demanda.

O órgão acrescentou que o parecer técnico sobre disponibilidade hídrica deverá ser entregue em até 120 dias após a licença prévia.

Especialistas questionam

O modelo de autorização foi questionado por especialistas. Rárisson Sampaio, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-CE, declarou ao Intercept que a prática configura "uma fiscalização passiva", afirmando que "a outorga funciona a partir da declaração de disponibilidade hídrica prestada através de um simples formulário".

A Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará), também ouvida pelo portal, afirmou que adotou "integralmente os princípios da precaução e da segurança hídrica" e classificou o impacto do uso solicitado como "de baixa magnitude".

A Casa dos Ventos explicou que os volumes autorizados representam "a vazão máxima permitida" e não o consumo projetado, e que as duas outorgas foram solicitadas para "redundância operacional". Já a Semace destacou que a outorga "não é compromisso de uso total do volume".

O processo também chamou atenção de especialistas como Paulo Sinisgalli, professor da USP, que considerou "estranho" o aumento significativo entre o consumo inicialmente previsto e o volume autorizado, além da exigência posterior de parecer técnico.

Crise hídrica

A discussão ocorre durante um momento de pressão hídrica em Caucaia, que declarou situação de emergência por seca ou estiagem em 16 dos últimos 21 anos. Organizações da sociedade civil já questionavam o enquadramento do empreendimento como de baixo impacto, e comunidades vizinhas, inclusive indígenas" seguem dependentes de cisternas e caminhões-pipa.

A diretora do Lapin, Cynthia Picolo, afirmou ao Intercept que grandes empreendimentos têm apresentado dados "incompatíveis com a realidade", e classificou a autorização como uma decisão que "negligencia comunidades e a gestão responsável de recursos naturais".

O Intercept também destacou que a própria Casa dos Ventos reconheceu, no relatório ambiental simplificado, que a região hidrográfica onde o data center será instalado enfrenta "disponibilidade hídrica insuficiente" para atender à população e às atividades econômicas.