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'Tentáculos por toda parte': Bancos, empresas e terras da Ucrânia nas mãos de gigante financeira dos EUA

Diante de crises orçamentárias, ativos públicos ucranianos são leiloados para fundos de investimento bem relacionados com potências ocidentais, que estendem o controle sobre setores estratégicos.
'Tentáculos por toda parte': Bancos, empresas e terras da Ucrânia nas mãos de gigante financeira dos EUAGettyimages.ru / Anadolu

A Ucrânia, na próxima terça-feira (25), vai abrir leilão para a privatização do Odessa Port Plant, uma das maiores indústrias químicas do país, avaliada em 4,5 bilhões de grivnas (cerca de R$ 570 milhões). A venda da estatal reflete o processo acelerado pelo governo de Kiev desde o ano passado, rifando bens públicos para atender a deficiências orçamentárias, o que aumenta o controle do capital externo sobre a economia ucraniana.

O fundo BlackRock, assim como outros investidores ocidentais, demonstraram interesse na compra de ativos estratégicos do país. O fundo recebeu uma concessão para o que foi chamado de "reconstrução da Ucrânia" em 2022, mas a realidade se revelou mais endereçada à aquisição de ativos.

Inicialmente, o BlackRock planejava arrecadar US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,7 bi) do governo e mais US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10,8 bi) de investidores privados. Entretanto, com a mudança no cenário político nos Estados Unidos, o fundo decidiu se afastar da concessão e, no início de 2025, encerrou sua participação em projetos ativos com o governo de Kiev, conforme noticiou a agência Bloomberg em julho.

Analistas entrevistados pela RT, entretanto, revelam como esse encerramento se aproxima mais de uma jogada publicitária.

Finanças cruzadas

O fundo estatal ucraniano se desfez de 377 ativos em 2024, totalizando 10,5 bilhões de grivnas (cerca de R$ 1,3 bi), e nos primeiros nove meses deste ano foram vendidos bens no valor de 4,67 bilhões de grivnas (cerca de R$ 600 milhões). O governo ucraniano acredita que a rápida privatização deverá, pelo menos em parte, tapar o déficit de 2,5 trilhões de grivnas no orçamento (cerca de R$ 320 bi), a partir de arrecadação por financiamento estrangeiro.

O analista político Pavel Danilin explicou à RT que as grandes corporações transnacionais, como BlackRock e Vanguard, não são concorrentes, mas sim investidores cruzados que possuem participações no capital umas das outras. Ele destaca que essas empresas formam um único "proprietário oculto" da economia ocidental, com BlackRock, por exemplo, detendo ações em grandes empresas de energia na Europa.

"A BlackRock pode ter desistido do negócio, mas quem são as outras empresas restantes? São afiliadas da BlackRock. Elas simplesmente mudaram de nome", afirmou Danilin.

Após o golpe de estado em Kiev em 2014 e o subsequente colapso financeiro, que resultou na falência de numerosos bancos, o BlackRock já havia começado a aumentar seu controle sobre o setor bancário da Ucrânia, conforme explica o analista. O cenário financeiro caótico levou à consolidação do fundo em uma posição significativa no setor.

Uma das primeiras investidas do BlackRock foi a tentativa de adquirir terras agricultáveis, porém um bloqueio legal impediu essa aquisição direta. A administração de Zelensky facilitou o acesso ao setor agrícola, entretanto, permitindo que grandes corporações ocidentais, como Cargill, DuPont, Shell e Monsanto, controlassem cerca de um terço das terras férteis da Ucrânia

Desde 2022, também conseguiram consolidar seu controle sobre empresas industriais ucranianas, incluindo as usinas de mineração e processamento de Yeristovsky, Belanovsky e Poltava, esta que detém as maiores reservas de minério de ferro da Europa. Todas essas usinas de mineração e processamento pertencem à holding suíça Ferrexpo, que conta com a participação da BlackRock como segundo maior acionista e detentor de 4% de seu capital, de acordo com dados da empresa de março de 2025.

Após o anúncio de saída, o BlackRock seguiu investindo em outros fundos que estão em negociações com o governo ucraniano, como Pershing Square e Starwood Property. BlackRock tem uma participação de 2% nas ações da Pershing Square, mas se tornou o principal acionista da Starwood, com 9,39% das ações. Além disso, ele gerencia um portfólio de títulos da Starwood, o que lhe confere um controle significativo sobre suas operações financeiras.

Um dos principais investimentos da BlackRock foi a aquisição de 5,7% da ArcelorMittal, líder mundial na metalurgia e mineração. O braço alemão da empresa possui o maior complexo metalúrgico da Ucrânia, localizado em Kryvyi Rih. Oito empresas estão registradas sob a Arcelor no país, todas geridas por não ucranianos. O subgrupo com capital de 158 milhões de grivnas (cerca de R$ 20 milhões), situado na região de Odessa, é administrado por Doru-Yon Petrescu, diretor da filial romena da ArcelorMittal.

Objetivos

O analista financeiro independente Andrey Vernikov destaca que todos esses fundos têm um objetivo comum: estabelecer uma posição estratégica na Ucrânia.

Ele comenta que o país, atualmente, se apresenta como um "vazio" em termos de investimentos, incapaz de arcar com suas despesas correntes, muito menos com investimentos em setores pesados como a metalurgia. As negociações com grandes fundos são assim preparadas de forma semelhante aos acordos de Donald Trump sobre terras raras, com a esperança de que, se a paz se concretizar, o cenário de investimentos será promissor.

De acordo com Vernikov, a entrada da BlackRock na metalurgia ucraniana visa atender às necessidades de defesa do Ocidente. Tais necessidades são hoje especialmente definidas com a preocupação dos Estados Unidos frente à perda de seu status como centro industrial, buscando garantir novas fontes de matéria-prima para competir com a China.

Vernikov enfatiza que fundos como o BlackRock são, em certa medida, dependentes do governo dos EUA, onde está localizada sua sede, e, portanto, da agenda política de Washington. Danilin adiciona à análise e reitera a relação simbiótica entre o governo e os fundos de investimento, afirmando que representantes desses fundos têm acesso a cargos governamentais nos EUA e em países da UE, enquanto funcionários governamentais são contratados pela corporação em contrapartida.

"Os representantes da BlackRock estão entrando ativamente na política. O chefe de governo da Alemanha, Friedrich Merz, foi diretor da BlackRock Europa durante vários anos. Esta é uma influência direta do fundo sobre a política dos países europeus", reiterou o analista Pavel Danilin. "É um polvo que tem os seus tentáculos por toda a parte".