“América para os americanos”, declarou o então presidente dos EUA, James Monroe, em 1823. Era uma mensagem às potências europeias, alertando-as de que Washington não toleraria mais a colonização ou “governos fantoches” no continente, que já considerava sua esfera de influência exclusiva.
Menos de um século depois, essa diretriz ascendeu ao status de doutrina e, em 1904, foi complementada pelo conhecido Corolário Roosevelt, que autorizou os Estados Unidos a “exercer o poder de polícia internacional em casos flagrantes de tais irregularidades ou impotência”, segundo um documento do Gabinete do Historiador do Governo dos EUA.
Na prática, isso significou a intervenção direta ou indireta da Casa Branca nos assuntos internos de nações latino-americanas e caribenhas em inúmeras ocasiões. Embora o ritmo tenha diminuído durante o último quarto de século e, em geral, assumido formas menos explícitas do que o apoio a golpes militares e invasões armadas, essa prática nunca desapareceu completamente. Pelo contrário, parece estar ganhando novo ímpeto sob o segundo mandato do presidente Donald Trump.
“Essa doutrina passou por muitas mudanças, muitos corolários, muitas interpretações ao longo dos últimos 200 anos, e tem a ver com o que eles consideram, de forma um tanto depreciativa, como seu ‘quintal’, o 'backyard' em inglês. Isto é, a região que eles dominam sem que ninguém possa interferir”, observa o pesquisador argentino Leonardo Morgenfeld, autor do livro “Nossa América Diante da Doutrina Monroe: 200 Anos de Conflito”, no qual ele descreve os caminhos sinuosos da política externa da Casa Branca em relação à região, que, no entanto, sempre convergem para a Doutrina Monroe.
Nesse espírito, embora Trump tenha centrado sua retórica de campanha na “restauração” de uma grandeza americana que, segundo ele, havia sido perdida devido às políticas de seus antecessores, e na promessa de acabar com todas as guerras no mundo, ele não abandonou completamente suas ambições na região: concentrou-se em questionar os esforços das nações para controlar a imigração irregular e o narcotráfico. Inicialmente, isso levou à crença de que a América Latina não estava entre suas prioridades geopolíticas e que não haveria grandes mudanças ou transformações significativas em sua abordagem de política externa em comparação com seu primeiro mandato (2017-2021).
Contudo, quando seu retorno se tornou iminente, ele surpreendeu a todos com uma série de pronunciamentos, decisões e nomeações impactantes para a América Latina e o Caribe, que rapidamente prenunciaram um renascimento da Doutrina Monroe sob o lema "Make America Great Again" (Tornar a América Grande Novamente), em meio a uma disputa multifacetada com outras potências como China, Rússia e Brasil, que se tornaram atores relevantes enquanto os EUA aparentemente davam sua hegemonia hemisférica como certa.
Nomeações e Anúncios
Os indícios da política de Trump em relação à América Latina vieram com a nomeação de Marco Rubio para Secretário de Estado, Mauricio Claver-Carone como Enviado Especial para a região e Christopher Landau como Subsecretário de Estado, todos representantes da extrema-direita e conhecidos por sua hostilidade a governos de esquerda.
Antes de assumir o cargo em janeiro passado, o presidente expressou reivindicações territoriais sobre o Canal do Panamá — bem como sobre o Canadá e a Groenlândia — renomeou unilateralmente o Golfo do México como "Golfo da América" e afirmou que seu vizinho do sul era "controlado por cartéis", uma declaração destinada a abrir caminho para operações extranacionais contra grupos do crime organizado. Suas declarações atraíram condenação e protestos dos governos afetados ou acusados e definiram o tom de seu segundo mandato.
Da mesma forma, em seus primeiros dias no cargo, ele declarou estado de emergência nacional para militarizar a fronteira com o México e controlar o fluxo de migrantes irregulares, suspendeu o aplicativo "CBP One", que permitia aos migrantes agendar consultas e entrar legalmente no país por meio de mecanismos especiais, autorizou deportações em massa para países terceiros — consideradas ilegais por muitos — e designou oficialmente os cartéis como "organizações terroristas".
Por sua vez, o pesquisador venezuelano Franco Vielma acrescenta a essa lista outras medidas subsequentes, como a imposição maciça de tarifas para pressionar países como México e Brasil; a criminalização e estigmatização de migrantes para justificar sua detenção em instalações questionáveis, como a "Alligator Alcatraz" ("Alcatraz dos Jacarés"); a deportação ilegal de 256 venezuelanos para El Salvador; e a eliminação do Status de Proteção Temporária (TPS) em favor da autodeportação.
Ele também adicionou novas coerções diplomáticas, econômicas e políticas contra Cuba e Venezuela; a interferência aberta no Brasil por ocasião do julgamento e condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro; o ressurgimento da narrativa da Venezuela como um "narcoestado" e a acusação infundada de que seu presidente, Nicolás Maduro, chefia um cartel (Trump fez recentemente a mesma acusação contra o presidente colombiano Gustavo Petro); a desvinculação da Colômbia da luta contra o narcotráfico e o destacamento militar dos EUA no Mar do Caribe sob o pretexto declarado de combater os cartéis de drogas, embora o objetivo óbvio, segundo todos os analistas, seja ameaçar Caracas e, consecutivamente, Bogotá.
Declaração de Intenções
"Por muitas razões, algumas justificáveis, a política externa dos EUA tem se concentrado por muito tempo em outras regiões e negligenciado a nossa. Como resultado, permitimos que os problemas se agravassem, perdemos oportunidades e negligenciamos nossos parceiros. Isso acaba agora", alertou Rubio em um texto datado de janeiro deste ano, pouco antes de embarcar em sua primeira viagem pela região, que o levou a El Salvador, Guatemala, Costa Rica, Panamá e República Dominicana.
Nesse mesmo documento, ele distinguiu entre países que "cooperam entusiasticamente" com Washington e aqueles que, em sua opinião, não cooperam, antecipando que haveria represálias para estes últimos. "O presidente Trump já demonstrou que está mais do que disposto a usar a considerável influência dos EUA para proteger nossos interesses. Se você não acredita em mim, basta perguntar ao presidente [Gustavo] Petro da Colômbia", destacou ele na ocasião.
Ele acrescentou que, na opinião das autoridades americanas, a migração em massa havia "desestabilizado" toda a região, acusando os cartéis de "tomarem conta" de comunidades dentro dos EUA, onde, segundo ele, semeariam "violência" e envenenariam famílias "com fentanil".
Como esperado, Rubio antagonizou abertamente os governos de Cuba, Nicarágua e Venezuela, que classificou como "regimes ilegítimos" e responsabilizou por ampliar "o caos intencionalmente".
Da mesma forma, não se esqueceu de apontar o dedo diretamente para Pequim, o adversário estratégico mais desafiador de Washington. "Enquanto isso, o Partido Comunista Chinês está usando sua influência diplomática e econômica, como no caso do Canal do Panamá, para se opor aos EUA e transformar países soberanos em estados vassalos", acusou na ocasião.
As declarações do recém-nomeado Secretário de Estado delinearam, em linhas gerais, a intenção dos Estados Unidos de retomar o controle da América Latina e do Caribe por meios mais agressivos, caso julguem necessário. Contudo, a história recente sugere que esses planos não são produto do governo Trump, mas sim parte de uma política de Estado de longo prazo.
Nesse sentido, as declarações feitas em janeiro de 2023 por Laura Richardson, então chefe do Comando Sul dos EUA, são reveladoras. Em um discurso para o think tank Atlantic Council, ligado à OTAN, ela definiu o controle dos vastos recursos naturais da região da América Latina e do Caribe como uma questão de "segurança nacional" para Washington.
“Se eu falar do meu segundo adversário na região, a Rússia, estou me referindo, é claro, a Cuba, Venezuela e Nicarágua, países que mantêm relações com a Rússia. Mas por que essa região é importante? Com todos os seus ricos recursos e terras raras, [a região] está localizada no Triângulo do Lítio, essencial para a tecnologia atual. Sessenta por cento do lítio mundial é encontrado nesse Triângulo: Argentina, Bolívia e Chile. Além disso, eles possuem as maiores reservas de petróleo: petróleo leve e doce foi descoberto na Guiana há mais de um ano. Há também os recursos da Venezuela: petróleo, cobre e ouro”, alegou a alta funcionária.
Ela acrescentou a esse conjunto — usando o polêmico plural “nós temos” — a Amazônia, que ela chamou de “o pulmão do mundo”, apontando que “31% da água doce do mundo está nessa região”. “É simplesmente extraordinário. Temos muito a fazer. Essa região importa. Ela tem muito a ver com a segurança nacional e precisamos intensificar nossos esforços”, concluiu Richardson naquela ocasião.
Um Ciclo de Resistências
Mas, assim como as declarações de Richardson sugerem que a tentativa dos EUA de "reconquistar" a região da América Latina e do Caribe não é um produto do novo governo Trump, também é possível inferir que Washington está considerando sua perda de relevância em sua esfera de influência imediata e que esse declínio precisa ser corrigido com urgência.
Isso se explica, em grande parte, pelo advento do chamado ciclo de governos progressistas na América Latina, que surgiu como resposta à agitação social decorrente das políticas neoliberais do Consenso de Washington, impostas a grande parte dos países latino-americanos por meio das conhecidas prescrições do Fundo Monetário Internacional, após a ascensão dos EUA como potência hegemônica global depois do fim da Guerra Fria, na década de 1990.
Entretanto, em 1998, com a ascensão de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, essa supremacia começou a ser visivelmente desafiada, juntamente com Cuba, até então o único país latino-americano que desafiava abertamente a Casa Branca. Em poucos anos, juntaram-se à onda Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (Brasil), Néstor Kirchner e Cristina Fernández (Argentina), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia), Tabaré Vásquez e José 'Pepe' Mujica (Uruguai), Manuel Zelaya (Honduras), Daniel Ortega (Nicarágua) e Fernando Lugo (Paraguai).
Essa coincidência incomum permitiu, por exemplo, que Washington sofresse um grande revés geopolítico em 2005: a rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) na Quarta Cúpula das Américas, realizada em Mar del Plata, Argentina, com base em uma proposta apresentada pelos países do Mercosul e pela Venezuela.
Esse foi o primeiro passo no que se seguiu: o fortalecimento de mecanismos de integração já existentes, como o Mercosul, e a criação de outros, incluindo a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), o Petrocaribe (uma iniciativa para vender hidrocarbonetos venezuelanos a preços baixos para as nações insulares do Caribe) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
Enquanto isso, espaços como a Organização dos Estados Americanos (OEA), onde os EUA sempre exerceram poder absoluto, foram relegados à irrelevância e ao ostracismo, sendo explicitamente denunciados como mecanismos de dominação neocolonial e alheios aos interesses dos povos.
Para além de suas fronteiras, a China iniciava sua ascensão como potência global, a Rússia recuperava gradualmente sua posição no cenário internacional e o bloco BRICS era fundado. Inicialmente composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, o BRICS foi concebido como uma aliança econômica entre as chamadas economias "emergentes" em oposição ao Norte Global. Com um de seus membros na América Latina, ela representava uma mudança gradual — e crescente — em direção a mercados fora da esfera de influência dos EUA. Segundo dados oficiais chineses de 2024, Pequim é o principal parceiro comercial do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela.
Um eterno retorno?
Contudo, nos anos seguintes, o ciclo progressista mostrou sinais de esgotamento, e os partidos regionais de direita recuperaram terreno, enquanto a esquerda não só foi derrotada nas urnas, como Washington também recorreu a outros métodos, direta ou indiretamente, incluindo golpes parlamentares (Zelaya, Lugo e Rousseff), lawfare (Correa, Rousseff, Da Silva e Fernández de Kirchner), acusações infundadas de fraude eleitoral (Morales) e sanções econômicas, políticas, diplomáticas e financeiras (Cuba, Nicarágua e Venezuela).
Igualmente, após a derrota da ALCA em Mar del Plata, os EUA optaram pela assinatura de acordos bilaterais de livre comércio, o relançamento da OEA sob a liderança do ex-ministro das Relações Exteriores uruguaio Luis Almagro, o fortalecimento dos laços com governos historicamente aliados e o apoio explícito a planos sediciosos liderados por grupos de oposição, como os da Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Essa situação também contribuiu para o enfraquecimento dos mecanismos de integração regional, que desempenharam um papel fundamental entre 2005 e 2015, em prol de alianças efêmeras ou com pouco progresso tangível, mas concebidas para servir aos interesses contingentes de Washington. A lista inclui o Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosur), a Aliança do Pacífico e o Grupo de Lima.
Ao final desse período, a balança pendeu para o lado da Casa Branca. Embora algumas administrações tenham resistido ao ataque e assumido lideranças progressistas, como as de Andrés Manuel López Obrador e Claudia Sheinbaum no México e Gustavo Petro na Colômbia, e Lula tenha retornado à presidência do Brasil, a integração regional se encontra atualmente em um ponto crítico.
Isso se demonstra pela incapacidade da América Latina e do Caribe de conter a mais recente ofensiva dos EUA e pela ameaça contra a Venezuela — agora estendida à Colômbia — apresentada ao público como uma operação antinarcóticos, apesar de volumes muito baixos de drogas circularem por essa região, segundo relatórios especializados.
De outra perspectiva, o governo Trump intensificou sua estratégia de fornecer "estímulos" e "apoio" a governos alinhados ideologicamente por diversos meios, incluindo ameaças diretas de tarifas ou retirada diplomática, interferência nos processos eleitorais de terceiros países — apoiando abertamente líderes ou governantes de direita, lançando campanhas contra seus sistemas judiciários e condicionando o apoio econômico a vitórias da direita — e pressão diplomática para promover sua política de linha dura em relação a Caracas, Havana, Manágua e, mais recentemente, Bogotá.
Ponto de Virada
Assim, a região parece estar em um ponto de inflexão, onde está em jogo a possibilidade de manter uma política externa soberana, não subordinada aos interesses dos EUA, em oposição à subjugação regional aos desmandos de Washington, atualmente focados na expulsão de atores emergentes como a China e no controle de recursos considerados estratégicos para sua segurança nacional, como revelou Laura Richardson em um momento de franqueza.
Nesse contexto, alguns países influentes na região, como o Brasil e o México, cujo comércio está altamente interligado com os EUA, estão tentando navegar por essas águas turbulentas priorizando negociações com a Casa Branca, enquanto simultaneamente questionam práticas abusivas como tarifas, bombardeios a pequenas embarcações no Caribe e no Pacífico, criminalização de migrantes nos EUA e bombardeios israelenses contra civis em Gaza, sem que isso se traduza em confrontos radicais com Trump ou em um fechamento categórico de fileiras com as nações atacadas.
Essas dificuldades destacam a necessidade de revitalizar decisivamente os mecanismos de integração regional com base em agendas comuns, independentes das prioridades estratégicas dos EUA, embora neste momento não pareça haver vontade política para avançar nessa direção.
Sobre este assunto, a senadora colombiana María José Pizarro declarou recentemente: "Devemos trabalhar arduamente em modelos reais de integração que vão muito além de uma cúpula diplomática, e que se tornem espaços de integração econômica, espaços para debate democrático, para negociação conjunta [...]; em outras palavras, a integração latino-americana, desde a época de [Simón] Bolívar, continua sendo uma dívida pendente na América Latina."
As evidências corroboram sua opinião: uma América Latina desunida é terreno fértil para a sobrevivência de relações com os EUA baseadas no comércio desigual, no extrativismo, na subordinação política e diplomática e na negligência das necessidades de seus povos, os grandes perdedores históricos dos despojos imperialistas. A águia estadunidense retornou com força. Cabe aos países da América Latina e do Caribe enfrentá-la ou permitir que ela saqueie à vontade.