O dia em que Stalin voltou a acreditar em Deus durante a Segunda Guerra Mundial

O líder soviético manteve silêncio no início da invasão nazista, mas seu primeiro discurso à população marcaria uma virada histórica e espiritual na relação entre o Estado e a Igreja Ortodoxa.

Em 22 de junho de 1941, os cidadãos da União Soviética aguardavam uma mensagem. O país acabava de ser invadido pelas tropas de Adolf Hitler, que em poucos dias haviam devastado várias nações europeias. Mas o pronunciamento esperado não veio: Joseph Stalin permaneceu em silêncio. Coube ao então comissário de Relações Exteriores, Viatcheslav Molotov, falar ao povo pelo rádio, numa tentativa de transmitir calma à população soviética.

Os historiadores ainda divergem sobre o comportamento do líder. Alguns sustentam que, após subestimar as intenções de Hitler e ignorar os alertas de seus serviços de inteligência, Stalin se isolou, em choque. Outros afirmam que ele trabalhava intensamente, aguardando o momento certo para se dirigir ao povo, depois de avaliar a situação militar e traçar os próximos passos para deter e derrotar o Exército nazista.

Do seminário à revolução

Stalin nasceu em uma família que hoje seria descrita como disfuncional: o pai, alcoólatra, agredia a esposa, que trabalhava em serviços precários para sustentar o lar. O jovem Joseph foi enviado a uma escola religiosa e, depois, a um seminário em Tíflis — atual Tiblíssi, capital da Geórgia. Foi ali que entrou em contato com as ideias revolucionárias e abandonou o caminho religioso, tornando-se um militante clandestino.

Com a vitória da Revolução de 1917, Stalin se uniu a Lenin na luta antirreligiosa. O regime transformou igrejas em bibliotecas, armazéns e clubes, além de prender e executar religiosos. A propaganda ateísta se espalhou por todos os meios possíveis. O ponto mais simbólico desse período ocorreu em dezembro de 1931, quando o governo demoliu a imponente Catedral de Cristo Salvador, em Moscou.

"Camaradas! Irmãos e irmãs!"

Apesar da repressão, a fé seguia viva entre a população soviética, algo que o ex-seminarista Stalin conhecia bem. Talvez por isso, em 3 de julho de 1941, quando finalmente falou ao país, o líder começou seu discurso de forma inesperada:

"Camaradas! Cidadãos! Irmãos e irmãs! Combatentes do nosso Exército e da nossa Marinha! Dirijo-me a vocês, meus amigos!", disse.

O esboço original do discurso continha apenas o termo oficial "camaradas". A inclusão de "irmãos e irmãs" foi interpretada como um apelo espiritual à união diante do inimigo, uma tentativa de reconciliação momentânea de diferenças ideológicas.

Naquele mesmo pronunciamento, Stalin fez perguntas difíceis a si mesmo sobre os recuos do Exército Vermelho e a quebra do pacto de não agressão assinado com a Alemanha nazista em 1939. Convocou a população à resistência e destacou a importância do papel espiritual da Igreja Ortodoxa na defesa da pátria.

Durante a guerra, a Igreja não se limitou ao apoio moral: organizou campanhas de arrecadação para fabricar tanques e armas, e acolheu crianças órfãs e famílias de soldados.

Um dos exemplos mais marcantes foi a coleta de fundos para a montagem de uma coluna de 40 tanques T-34-85, batizada de Dmitry Donskoy, em homenagem ao príncipe que derrotou os mongóis na Batalha de Kulikovo, em 1380. A campanha arrrecadou mais de oito milhões de rublos e diversos objetos de valor.

Na cerimônia de entrega, um dos líderes religiosos exaltou Stalin como "nosso querido e genial líder" e "pai comum", afirmando aos soldados:

"Que estas máquinas de combate, guiadas por sua vontade de vitória firme como o granito, levem vingança e morte aos carrascos fascistas de nosso povo, inimigos da cultura, da humanidade e indignos de viver na Terra."

A visita noturna que reviveu o patriarcado

Em 4 de setembro de 1943, Stalin recebeu à noite, como era seu costume, três hierarcas da Igreja, entre eles o metropolita Sérgio. O encontro marcou uma reviravolta. O jornal Pravda noticiou brevemente que o líder "mostrou compreensão às propostas" e afirmou que o governo "não colocaria obstáculos". Pouco depois, a Igreja pôde eleger Sérgio como novo patriarca de Moscou.

Também foi autorizada a publicação da revista do Patriarcado, a abertura de cursos teológicos e a reabertura de templos fechados desde a Revolução. Além disso, Stalin permitiu que a Igreja abrisse uma conta no banco estatal — formalmente, para gerenciar os fundos arrecadados para a coluna de tanques Dmitry Donskoy. Na prática, o gesto significou o reconhecimento jurídico da Igreja Ortodoxa como instituição, ainda que com direitos limitados, pela primeira vez desde 1917.

Após o encontro, os líderes religiosos enviaram uma carta ao governo, na qual chamavam o dia da reunião de "histórico" e exaltavam Stalin como "o grande líder do povo russo que conduz a pátria à glória e à prosperidade":

"A Igreja russa nunca esquecerá que o líder reconhecido por todo o mundo levantou o ânimo de todos os clérigos para trabalharem ainda mais pelo bem da pátria querida. Que Deus o conserve por muitos anos, querido Joseph Vissarionovitch [Stalin]", dizia a carta.

Um nome e um símbolo

Em 7 de novembro de 1941, enquanto o inimigo cercava Moscou, o Exército Vermelho realizou o lendário desfile na Praça Vermelha. No discurso às tropas, Stalin evocou heróis do passado czarista.

"Que inspirem vocês nesta guerra as imagens valentes de nossos grandes antepassados: Aleksandr Nevsky, Dmitry Donskoy, Kuzma Minin, Dmitry Pozharsky, Aleksandr Suvorov e Mikhail Kutuzov", afirmou.

Curiosamente, na versão publicada no Pravda, o nome "Dmitry" apareceu grafado como "Dimitry", na forma eclesiástica eslava, o mesmo nome que batizava a coluna de tanques financiada pela Igreja.

A restauração do patriarcado não significou o fim das tensões entre Estado e Igreja. Mas, no momento mais decisivo da história soviética, as duas instituições conseguiram coexistir, com um Stalin que voltou, ainda que brevemente, aos ecos de seu passado no seminário, e uma Igreja que, pela primeira vez em décadas, buscava não apenas sobreviver, mas participar da reconstrução espiritual da nação.

Saiba como a URSS libertou Europa do nazismo, história que o Ocidente tenta reescrever, em nosso artigo.