
As peças do Louvre que foram "roubadas" de outros países

O Museu do Louvre, em Paris, é o mais visitado do mundo, mas parte do seu prestígio se apoia em obras cuja origem é alvo de disputas internacionais. De artes saqueadas nas campanhas de Napoleão Bonaparte a peças de procedência duvidosa adquiridas décadas atrás, o acervo do museu carrega uma herança controversa.

O recente roubo das joias napoleônicas reacendeu críticas sobre a origem de muitas das obras expostas no Louvre. Enquanto a polícia busca as peças furtadas no último domingo, vários países cobram a devolução de artefatos levados pela França durante guerras e colonizações. Itália, Egito e até famílias vítimas do nazismo pedem uma revisão da história desses bens.
Saques napoleônicos e disputas italianas
Durante o período do Consulado e do Império, Napoleão Bonaparte promoveu campanhas militares que incluíam o saque sistemático de obras de arte em toda a Europa. Segundo o The Irish Times, a pintura "As Bodas de Caná", de Paolo Veronese, foi levada de Veneza em 1797 e enviada ao Louvre por ordem de Napoleão. Após sua derrota em 1815, parte das obras confiscadas foi devolvida à Itália, mas várias permaneceram em Paris, gerando disputas que persistem até hoje.

Atualmente, as autoridades italianas reclamam sete antiguidades ainda sob custódia do Louvre, cuja a origem está sendo investigada. De acordo com o The Art Newspaper, o Ministério da Cultura da Itália apresentou uma lista de peças adquiridas entre 1982 e 1998, entre elas uma ânfora do chamado Pintor de Berlim, uma cratera do Pintor de Antímenes e uma cabeça de Héracles da antiga cidade etrusca de Cerveteri. Roma alega que as obras podem ter sido negociadas por traficantes de antiguidades como Giacomo Medici e Gianfranco Becchina, condenados por comércio ilegal.
A diretora do Louvre, Laurence des Cars, admitiu que "as obras de origem duvidosa são uma mancha nas coleções" e garantiu que o museu revisa esses casos "com rigor e lucidez".
A disputa pela Vênus de Milo
Entre as obras mais famosas do Louvre está a Vênus de Milo, descoberta em 1820 por um agricultor na ilha grega de Milos. Pouco depois, a escultura foi comprada por um oficial naval francês, que a presenteou ao rei Luís XVIII. Em 1821, o rei doou a peça ao Louvre, onde permanece até hoje como uma de suas atrações mais icônicas.
Em 2020, o prefeito de Milos, Gerasimos Damoulakis, lançou uma campanha pública pela devolução da escultura, no bicentenário de sua descoberta. "Nossos tesouros foram saqueados e estamos prontos para lutar por eles", declarou, segundo The Times.
Egito e o "Zodíaco de Dendera"
O Egito também exige a devolução do Zodíaco de Dendera, um painel de teto do século I a.C. considerado por alguns o primeiro horóscopo do mundo. O relevo foi encontrado em 1799 por tropas francesas no Templo de Hathor e levado a Paris em 1821, onde segue exposto.
Em 2022, o egiptólogo Zahi Hawass renovou o pedido de restituição da peça, junto com outros símbolos do patrimônio egípcio, como a Pedra de Roseta (hoje no Museu Britânico) e o busto de Nefertiti (no Museu Novo de Berlim), informou o Middle East Eye. Em 2009, o Egito chegou a suspender relações institucionais com o Louvre por sua recusa em devolver certas antiguidades.

Devoluções lentas e críticas crescentes
Nos últimos anos, a França iniciou um processo de restituição de bens coloniais. Após o Relatório Sarr-Savoy (2018) e a aprovação de uma lei que permite exceções à inalienabilidade, o governo francês devolveu um sabre a Senegal e programou a restituição de 26 objetos ao Reino do Benim. Mesmo assim, o avanço é considerado lento, segundo Le Monde.
O caso recente do roubo das joias napoleônicas, avaliadas em mais de 88 milhões de euros, expõe uma contradição: enquanto a França exige justiça diante de novos saques, o seu museu mais prestigiado ainda guarda obras cuja aquisição é questionada por diversos países.

