
Redes de alerta, isolamento e pânico: a vida de migrantes brasileiros no governo Trump

A preocupação entre os imigrantes brasileiros em situação irregular nos Estados Unidos voltou a crescer após o retorno de Donald Trump à presidência, aponta a imprensa brasileira. A RT Brasil preparou um compilado da cobertura jornalística sobre as ansiedades de brasileiros com a incerteza do futuro, vivendo sob a ameaça de prisão e deportação.
"Você vai para a cadeia"
"A América foi invadida por criminosos e predadores. Nós precisamos de VOCÊ para expulsá-los", escreve a página inicial do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), buscando por novas aplicações de trabalho. Desde o início do segundo mandato de Trump, as atividades do ICE se intensificaram, incluindo prisões, detenções, deportações e retornos voluntários de migrantes irregulares, segundo as estatísticas do próprio órgão. "Se você vier ilegalmente para os Estados Unidos, você vai para a cadeia ou vai voltar para onde veio. Talvez até mais longe", ameaçou Trump em um recente discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Segundo o Conselho Americano de Imigração, o primeiro semestre do segundo mandato do republicano foi o mais significativo da história do país para as políticas migratórias. O novo governo, inaugurado com a declaração de um estado de emergência nacional na fronteira com o México, já atribuiu às Forças Armadas o apoio na patrulha da fronteira, acelerou a construção do muro prometido em campanha, suspendeu a entrada de refugiados, encorajou a auto-deportação, aumentou a capacidade de instalações de detenção de migrantes, revogou vistos estudantis e utilizou atos de guerra para acelerar deportações. O objetivo mais recente é o ataque à cidadania por direito de nascença, reconhecida a qualquer pessoa nascida no território americano e cuja revogação impactaria toda a população dos Estados Unidos com processos burocráticos mais complexos.
Segundo o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, mais de 2 milhões de imigrantes ilegais foram deportados ou saíram voluntariamente do país desde o início do ano. Até novembro de 2024, mais de 38 mil brasileiros aguardavam ser deportados, cerca de 2,7% do total de estrangeiros que receberam ordens de saída do país, informou o G1.
Impacto no mercado de trabalho
Conforme dados de 2020 do Centro de Estudos de Migração de Nova Iorque, os estrangeiros compunham 18,3% dos trabalhadores de setores essenciais nos EUA e 17,5% de todos os postos de trabalho. O quadro de endurecimento das políticas migratórias é agravante para o cenário americano, que registrou 1,8 milhão de desempregados de longa duração em julho deste ano, além de uma queda da confiança no mercado, em um país cujo PIB depende majoritariamente do consumo interno (cerca de 70%). A insegurança migratória impacta setores críticos como limpeza, construção e entregas, reduzindo a renda de famílias em situação de vulnerabilidade e promovendo um esvaziamento da mão de obra para serviços essenciais.
Pânico silencioso
A comunidade brasileira nos EUA, com cerca de 2 milhões de pessoas, concentra-se principalmente nas regiões de Nova York, Boston e Miami, segundo recente relatório do Itamaraty. Muitos deles trabalham em empregos de baixa remuneração e agora enfrentam escassez de postos de trabalho e queda no consumo, levando à busca por assistência jurídica, moradia temporária e apoio psicológico.
Ainda em março de 2025, pouco tempo após a posse de Trump em seu novo mandato, a BandNews já havia reportado que os consulados brasileiros nos EUA estavam lotados com solicitações de registro documental, chegando a números dez vezes maiores que os meses anteriores.

A preocupação fundamental era a busca de certidões de filhos de brasileiros nascidos no território americano. Diante da cidadania por direito de nascença, ainda vigente, essas crianças são cidadãs americanas e não seriam deportadas ou detidas com seus pais, separando famílias e enviando as crianças a orfanatos. Após a adoção de medidas e acordos judiciais para sanar esse problema durante o mandato de Biden, casos de separação de famílias sem direito à visita voltam a ser reportados na imprensa americana, como apontado pelo New York Times.
Organizações de assistência a imigrantes relatam desistências em processos de regularização, prisões em audiências judiciais e reuniões de informação feitas na clandestinidade. Rodrigo Godoi, diretor da ONG Mantena, que trabalha com a integração de imigrantes na sociedade americana, apontou ao G1 que casos de violência doméstica se intensificam pelo medo das vítimas de apresentar queixas, diante do risco de deportação.
Vigilância reforçada e arrependimento de morar nos EUA
O G1, citando a imprensa britânica, relatou o novo cotidiano de vigilância das operações do ICE, divulgando que brasileiros estão em grupos de alerta no Whatsapp para comunicar notícias de operações.
As conversas não mencionam o ICE e utilizam o equivalente "GELO" (tradução de "ice" em inglês, homônimo da sigla), evitando a detecção por palavras-chave. Informações de pessoas desaparecidas são intercaladas com desabafos de arrependimento com a decisão de morar no país. Os membros desses grupos ainda compartilham vídeos de drones, utilizados por brasileiros para identificar a presença de agentes da imigração.
Orientações são divulgadas para prevenir o uso de português em público e evitar sair de casa, especialmente após uma decisão da Suprema Corte americana em agosto, que suspendeu direitos individuais e autorizou a abordagem policial com base na raça, idioma ou cargo profissional, tornando até o sotaque um fator de risco para a vida de imigrantes.

O isolamento de brasileiros e outros imigrantes no país, por medo de operações do ICE, prejudica a economia e a sensação geral de segurança, segundo relatos à imprensa. A situação se tornou crítica para os empresários locais, que perdem clientes e empregados nos bairros onde se concentram brasileiros. Enquanto os aluguéis aumentam, as ruas se esvaziam, e as atividades comerciais fecham suas portas.
O refúgio de suas casas, entretanto, não parece mais inviolável e seguro, em face de novos investimentos do ICE. A Forbes noticiou recentemente que os serviços de imigração adquiriram ferramentas de vigilância que permitem monitorar telefones celulares, firmaram parcerias com agências de inteligência artificial para desenvolver métodos de reconhecimento facial, e compraram robôs que podem derrubar portas e disparar granadas táticas.
Apesar do endurecimento da administração Trump em relação a essas políticas, alguns migrantes mostram-se favoráveis às medidas do atual governo, como aponta o jornal The Conversation, que reconhece o impacto da nacionalidade, divisões políticas e racismo na base dessa percepção. Entretanto, a agência de pesquisa Gallup identificou neste ano uma queda significativa no apoio dos eleitores às políticas do governo republicano.
"Depois de subir para 55% em 2024, a porcentagem de americanos que dizem que a imigração deveria ser reduzida caiu quase pela metade, para 30%", registrou a pesquisa. O levantamento também apontou para uma alta histórica na percepção sobre os efeitos positivos da imigração para o país americano, liderada pela mudança de opinião de eleitores republicanos. Após soarem alarmes de uma crise de invasão criminosa, a pesquisa explica que o eleitorado tende a favorecer medidas de regularização dos imigrantes, ao invés de barreiras ou deportações.



