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Feira Internacional do Livro de Buenos Aires é marcada por embates com o Governo Milei

Pela primeira vez em 48 anos, o Governo não participará do evento literário mais importante da América do Sul.
Feira Internacional do Livro de Buenos Aires é marcada por embates com o Governo MileiGettyimages.ru / Ricardo Ceppi

A inaguração da 48ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires (FIL) foi marcada por fortes críticas ao presidente Javier Milei, acusado de tratar com desprezo e promover ataques às políticas culturais.

Alejandro Vaccaro, presidente da 'Fundación El Libro', criticou a decisão sem precedentes do Governo em não participar oficialmente do evento literário mais importante da América do Sul - algo que está acontecendo pela primeira vez em cinco décadas.

Ele também apontou como contraditória a solicitação do presidente argentino de apresentar um de seus livros no festival, tendo em vista que o mandatário impediu o Banco Nacional e o Ministério da Cultura de ter estandes na Feira.

"Depois de desprezar nossa Feira, ele não se envergonha e pede para participar desse espaço", disse Vaccaro durante a inauguração do evento, que ocorreu na noite de quinta-feira. Ele confirmou que o presidente quer comparecer no dia 12 de maio, embora os organizadores não possam arcar com os custos dos equipamentos e excepcionalidades solicitadas pela garantia de sua segurança.

"Sua participação implicaria em uma série de despesas extraordinárias que a 'Fundación El Libro' não pode arcar. [...] Não há dinheiro", ironizou, em referência ao slogan utilizado por Milei para justificar os cortes de gastos.

Anteriormente, o Governo argentino afirmou que não teria um estande sequer na feira, uma vez que os organizadores estavam pedindo um pagamento de 300 milhões de pesos (300.000 dólares). Vaccaro, em pronunciamento realizado em meio a vaias a Milei, afirmou que o argumento trata-se, na verdade, de uma "mentira flagrante".

"Participar da Feira este ano representa um ato de rebelião e resistência. Como nunca antes, esse espaço plural e ativo será o eixo central em torno do qual girará o repúdio de todas as forças culturais às políticas devastadoras propostas por esse Governo", declarou.

Governo justifica a ausência

Nesta sexta-feira, o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, justificou a ausência do Ministério da Cultura na feira com a "quantia absurda" solicitada pelos organizadores para montar um estande na feira.

"O estande teria nos custado 300 milhões de pesos, aos quais teríamos de acrescentar 150 milhões de pesos para a montagem (cerca de 150 milhões de dólares)", disse Adorni em uma coletiva de imprensa.

E ele explicou os motivos da decisão: "Foi uma questão de eficiência, para reduzir uma quantia fora do comum para este momento do país. Não há justificativa para isso. Era uma quantia exorbitante", disse o porta-voz do Governo.

Segundo o funcionário, os fundos que seriam alocados pela Secretaría de Cultura para a Feira do Livro serão usados para outra finalidade. "Em vez de usar os recursos para o estande, serão feitas colaborações com as bibliotecas populares para que elas possam adquirir novos títulos", afirmou.

Irresponsabilidade

Todos os anos, a Feira, que reúne centenas de milhares de visitantes nacionais e estrangeiros e ratifica a Argentina como um polo cultural na América Latina, é inaugurada por um escritor que oferece uma visão geral do setor.

Nesta ocasião, a convidada foi Liliana Heker, uma das autoras mais conhecidas no país sul-americano, que surpreendeu ao evitar eufemismos e criticar diretamente Milei, o Ministro da Economia, Luis Caputo, a Ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, a Chanceler Diana Mondino e o porta-voz Manuel Adorni.

"Por que o Governo está tão empenhado em minar ou suprimir qualquer instituição ou mídia que promova ou dissemine o conhecimento, o desenvolvimento científico, a criação artística e a educação universitária?", questionou.

Para Heker, o Governo ataca e retira financiamento da cultura com argumentos "suspeitos", acusando escritores e artistas de usarem recursos que poderiam ser usados para "crianças famintas", ao mesmo tempo em que deixa de enviar recursos para os refeitórios.

A autora denunciou também as "promessas infundadas" de Milei de que a Argentina será uma "potência" em 35 anos e que o país voltará ao "esplendor" de que supostamente desfrutava há um século, quando na realidade sofria de uma desigualdade terrível.

"'As pessoas estão felizes', ouvi o Ministro da Economia dizer, e me perguntei: de que tipo de pessoas ele está falando? Com que elementos ele construiu uma generalização tão categórica? Será que ele já andou pelas ruas, já viu aqueles que dormem nas calçadas, pelo menos tentou imaginar o desespero de alguém que vai a um sopão para acalmar a fome e nem lá consegue encontrar comida?", questionou.

Em alguns casos, acrescentou, a irresponsabilidade verbal das autoridades é tão flagrante que mais parece uma piada.

"Esse é o caso do porta-voz da presidência, quando ele deixou claro que não era verdade que um aumento prometido seria pago aos aposentados em duas parcelas. Não: simplesmente seria feito em dois momentos diferentes", lamentou.