Órgão ligado a ONU declara fome generalizada na Faixa de Gaza

Segundo o IPC, 514.00 pessoas sofrem com a fome no enclave palestino; Netanyahu contestou os dados.

A Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC), principal autoridade mundial em crises alimentares e ligada à ONU, anunciou nesta sexta-feira (22) que a cidade de Gaza e áreas adjacentes estão oficialmente em situação de fome, com a previsão de que o problema se espalhe para outras regiões.

Segundo a análise, 514.000 pessoas, quase um quarto da população de Gaza, já enfrentam fome, número que deve chegar a 641.000 até o fim de setembro.

Entre os mais afetados, cerca de 280.000 pessoas vivem na região norte da Faixa de Gaza, incluindo a cidade de Gaza, que foi declarada em situação de fome após quase dois anos de intensificação militar israelense na região, motivada por um ataque terrorista do Hamas. O IPC prevê que as condições de fome se espalhem para as áreas centrais e sul, abrangendo Deir al-Balah e Khan Younis, até ao final do próximo mês.

É uma fome que poderia ser prevenida "caso tivessem nos permitido", lamentou o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Tom Fletcher. "No entanto, os alimentos se acumularam nas fronteiras devido à obstrução sistemática por parte de Israel", acrescentou.

O relatório do IPC, que envolve 21 grupos de ajuda, agências da ONU e organizações regionais financiadas pela União Europeia, Alemanha, Reino Unido e Canadá, classificou a situação como fome com base em critérios que incluem pelo menos 20% da população afetada por extrema escassez de alimentos, um em cada três crianças com desnutrição aguda e duas mortes por 10.000 pessoas devido à fome ou doenças relacionadas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, qualificou a fome em Gaza como "um desastre provocado pelo homem, uma acusação moral e um fracasso da própria humanidade", pedindo cessar-fogo imediato, libertação de todos os reféns detidos pelo Hamas e acesso humanitário irrestrito. O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, alertou que mortes por fome podem configurar crime de guerra, acusação que Israel rejeita.

Kate Phillips-Barrasso, vice-presidente de políticas globais da agência Mercy Corps, destacou que o relatório do IPC não tem força legal. "Temos fotos, dados claros e agora essa avaliação, mas ainda não se traduziu na ação urgente necessária para evitar que as pessoas morram de fome", disse.

O controle do acesso a Gaza está concentrado nas mãos de Israel. O braço militar responsável pela supervisão da ajuda, COGAT, afirmou que o relatório ignorou dados israelenses sobre entregas de assistência e faz parte de uma campanha internacional contra Tel Aviv "O relatório do IPC não é apenas tendencioso, mas também serve à campanha de propaganda do Hamas”, declarou a agência.

Resposta de Netanyahu

O governo israelense contestou os resultados, qualificando o relatório como uma "mentira descarada" e acusando o IPC de utilizar dados parciais fornecidos principalmente pelo Hamas.

"Israel não tem uma política de fome. Israel tem uma política de prevenção da fome. Desde o início da guerra, Israel permitiu que 2 milhões de toneladas de ajuda entrassem na Faixa de Gaza, mais de uma tonelada de ajuda por pessoa", afirmou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Reação mundial sobre Gaza

Em resposta diplomática, o Reino Unido classificou o relatório como "totalmente horrível" e a desvantagem de Israel permitir imediatamente o fornecimento irrestrito de alimentos, remédios e combustíveis. Canadá, Austrália e diversos países europeus também declararam que a crise humanitária atingiu "níveis inimagináveis".

Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump afirmou no mês passado que muitas pessoas em Gaza estavam morrendo de fome, divergindo de Netanyahu. A porta-voz do Departamento de Estado ressaltou que o Hamas "está promovendo sistematicamente uma narrativa falsa de fome em massa para pressionar Israel politicamente".

"O Governo dos EUA está focado em entregar ajuda ao povo de Gaza. Enfrentar esses desafios significa abordar honestamente os problemas pelo bem dos residentes de Gaza, que merecem melhor, e não se prendem à semântica", disse o porta-voz.