Eleições na Bolívia testam força da esquerda após racha no MAS e crise econômica

Disputa entre Evo Morales e Luis Arce enfraqueceu o MAS e pode abrir caminho para vitória da direita.

A Bolívia realiza neste domingo (17) uma eleição presidencial marcada por incertezas e pela possibilidade real de mudança no controle político do país.

Após quase duas décadas de hegemonia, o Movimiento Al Socialismo (Movimento ao Socialismo, em português - MAS) entra na disputa fragmentado, enfraquecido e pressionado por uma crise econômica que elevou a inflação anual para 25%.

Com a esquerda desmobilizada e dividida entre lealdades a Evo Morales e ao presidente Luis Arce, a direita aparece como favorita pela primeira vez desde 2005. Os empresários Samuel Doria Medina e Jorge Quiroga Ramírez lideram as pesquisas, enquanto o candidato oficial do MAS, Eduardo del Castillo, não chega a 2% das intenções de voto.

O colapso de uma unidade histórica

A esquerda boliviana sempre se estruturou em torno da liderança de Evo Morales. No entanto, desde o retorno do ex-presidente ao país em 2020, após o golpe de 2019, as diferenças com o presidente Luis Arce, eleito com apoio do próprio Evo, passaram a se intensificar até se tornarem irreconciliáveis.

Em 2023, a ruptura se consolidou com a convocação de um congresso partidário em Lauca Eñe, reduto eleitoral de Morales, que acusou Arce de trair o projeto original do MAS. Em resposta, a direção nacional do partido expulsou o atual presidente, alegando ausência injustificada no evento.

"A ruptura não foi apenas de lideranças, mas de base", explicou o cientista político Marcelo Arequipa, da Universidade Católica de La Paz, em entrevista ao Brasil de Fato.

"O MAS deixou de apresentar um projeto coeso. Virou um campo de disputa entre dois polos que hoje pedem votos separados. Isso fragmentou o eleitorado que sempre sustentou a esquerda boliviana", afirmou. 

Sem consenso, o partido lançou Eduardo del Castillo como candidato. Paralelamente, o presidente do Senado, Andrónico Rodríguez, alinhado à base cocalera de Evo, entrou na disputa como uma tentativa de terceira via dentro da própria esquerda. Com menos de 6% nas pesquisas, sua candidatura também não decolou.

Morales, impedido de concorrer por decisão do Tribunal Constitucional, passou a apoiar o voto nulo. Segundo Arequipa, essa estratégia teve impacto real. "Evo entendeu que enfraquecer a votação é também uma forma de mostrar que sem ele não há MAS forte", analisou.

Economia afeta popularidade do governo

A deterioração das condições econômicas aprofundou o desgaste da gestão de Arce. A Bolívia, que por mais de uma década teve inflação sob controle e taxas recordes de redução da pobreza, enfrenta agora escassez de reservas cambiais, elevação de preços e perda do poder de compra.

Apesar do legado econômico do MAS — que inclui a nacionalização da indústria de hidrocarbonetos e políticas de redistribuição de renda — o governo não conseguiu blindar-se dos efeitos da conjuntura regional e das disputas internas.

"O apoio ao MAS sempre teve um componente pragmático: ele entregava resultados", explicou Arequipa. "Com a crise atual, uma parte da população se distancia e busca alternativas".

Essa percepção explica a ascensão de Samuel Doria Medina, empresário do setor de cimento e ex-ministro do Planejamento, que aparece nas pesquisas como favorito. Seu principal adversário, Jorge Quiroga, ex-presidente entre 2001 e 2002, representa o setor mais conservador da direita boliviana e também tem crescimento consolidado.

O que pode acontecer depois do domingo

Com um sistema eleitoral que exige 50% dos votos válidos ou 40% com dez pontos de vantagem, a Bolívia pode vivenciar pela primeira vez um segundo turno presidencial. Até 2009, a escolha em caso de impasse era feita pelo Congresso.

Apesar da vantagem numérica da direita, ela também não está unificada. Uma tentativa de aliança entre Quiroga, Medina e Carlos Mesa fracassou em 2024, e os principais nomes da oposição disputam votos no mesmo campo.

Para a esquerda, o pior cenário seria a desmobilização total da base popular. "A direita pode vencer por impulso, mas a esquerda ainda tem capilaridade social, especialmente fora dos centros urbanos", destacou Arequipa. "Por isso, há quem acredite que o resultado pode surpreender. Mas, até agora, os sinais são de retração."

Na avaliação do professor, o risco para a oposição é não conseguir governar em caso de vitória. "Ganhar a eleição não é suficiente. A governabilidade na Bolívia depende de redes sociais, sindicatos, organizações indígenas. E todas elas foram construídas ao redor do MAS".