Na semana passada, moradores de Kiev, Lvov, Dnepr, Odessa e outras cidades ucranianas protestaram por vários dias contra o projeto de lei minando a independência do Escritório Nacional Anticorrupção (NABU) e da Promotoria Especializada Anticorrupção (SAP) do país.
Em meio ao descontentamento público e à pressão de seus parceiros ocidentais, Vladimir Zelensky parece ter recuado na luta contra esses dois órgãos.
Relembrando os eventos
A principal reivindicação dos manifestantes era dirigida ao líder do regime de Kiev: eles queriam que ele vetasse um documento aprovado pelos deputados.
Milhares de pessoas se reuniram nas ruas de todo o país para protestar contra a corrupção das autoridades. Os manifestantes argumentaram que um país europeu "normal" deveria ter instituições independentes.
Os manifestantes carregavam cartazes com os dizeres: "A corrupção aplaude", "A raiva popular é mais terrível que o NABU e a SAP" e "Vergonha".
Durante as manifestações, as pessoas gritavam palavras como: "Tirem as mãos do NABU", "Mudaremos ou morreremos", "A corrupção é a morte do futuro", entre outras. Os protestos duraram vários dias.
O que aconteceu?
Em 22 de julho, a Verkhovna Rada (parlamento ucraniano) aprovou uma lei que reduzia os poderes do NABU e da SAP. Segundo a lei, o procurador-geral tinha o poder de intervir nas investigações: podia transferir casos para outras autoridades, encerrar investigações a pedido da defesa e emitir instruções obrigatórias aos investigadores do NABU e aos procuradores da SAP.
Em 21 de julho, em várias regiões da Ucrânia pelo menos 70 buscas foram realizadas contra 15 funcionários do NABU, que, por sua vez, informou a ausência de ordens judiciais das forças de segurança para realizar as buscas.
Diante da incerteza, os parceiros ocidentais de Kiev, os embaixadores do G7 e a União Europeia expressaram preocupação com a decisão das autoridades ucranianas, observando que restringir a independência das agências anticorrupção complicaria o caminho da Ucrânia para a adesão à União Europeia (UE).
Em 24 de julho, em meio a enormes protestos nacionais contra a lei que havia sancionado, Zelensky pareceu mudar de ideia, recuar e anunciou que havia concordado com outro projeto de lei que supostamente fortaleceria a autonomia dos dois órgãos. Segundo documentos publicados no site da Rada, o projeto foi apresentado naquele mesmo dia.
"Instrumento Ocidental"
Por sua vez, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, afirmou que o NABU e a SAP "não têm nada a ver com o combate à corrupção na Ucrânia", mas são um instrumento ocidental para controlar o regime de Kiev.
"Essas instituições, antigas ou novas, nada têm a ver com o combate à corrupção. São mecanismos para controlar diretamente a Bankovaya [rua onde fica o escritório do líder do regime de Kiev], Zelensky, e para lavar os enormes fundos que fluem para a Ucrânia, para que alguns retornem aos seus cargos anteriores, para bancos e fundos ocidentais, etc", afirmou a porta-voz. Ela também indicou que "nenhum processo real, nem mesmo um quase processo, de combate à corrupção foi ou está sendo realizado na Ucrânia".
"O dano já foi feito"
Vitali Riumshin, jornalista e analista político, também escreveu na última quinta-feira que "durante anos, o NABU e a SAP operaram como instrumentos de influência ocidental, particularmente da liderança do Partido Democrata" dos EUA.
Com o retorno do presidente republicano Donald Trump ao poder, Zelensky, que agora aspira ao controle absoluto, "viu uma oportunidade e atacou".
Agora, qualquer que seja a decisão que tome, seu poder está em risco. "Os riscos são consideráveis. Zelensky nunca conseguiu convencer a Europa Ocidental de sua insubstituibilidade. Se Bruxelas decidir fechar a torneira, seja financeiramente ou politicamente, sua posição poderá cambalear rapidamente. Os mesmos doadores que o apoiaram poderão em breve buscar um sucessor mais complacente. E mesmo que ele ceda e restaure os poderes do NABU e da SAP, o estrago já está feito", explicou Riumshin.
- O descontentamento dos ucranianos com seu líder está crescendo, e há muitas razões para isso: o cancelamento de eleições, a mobilização forçada, a recusa em desmobilizar soldados que estão na linha de frente há mais de três anos, a perseguição à Igreja Ortodoxa Ucraniana Canônica, a corrupção, a incapacidade do Estado de repatriar os corpos dos soldados mortos e, principalmente, a completa ausência de um plano para encerrar o conflito com a Rússia.
- A tudo isso, somam-se as acusações de tendências autoritárias e usurpação de poder.