Julgamento histórico: Justiça reconhece crime de Álvaro Uribe

Juíza colombiana considera que ex-presidente ofereceu benefícios a presos em troca de vantagens judiciais.

A Justiça da Colômbia declarou o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez culpado pelo crime de suborno em atuação penal. A decisão foi proferida nesta segunda-feira (28), em Bogotá, durante o chamado "julgamento do século", que apura a manipulação de testemunhas por parte do ex-mandatário.

A juíza Sandra Liliana Heredia, da 44ª Vara Penal do Circuito de Bogotá, afirmou que Uribe, por meio de intermediários, ofereceu vantagens a pessoas privadas de liberdade com o objetivo de obter benefícios em outros processos judiciais.

Ele também é acusado de tentar induzir testemunhas a relacionarem o senador Iván Cepeda a práticas ilegais.

A decisão marca um momento inédito na história da Colômbia: é a primeira vez que um ex-presidente pode ser condenado criminalmente no país.

Origem das acusações e primeiros desdobramentos

Uribe foi acusado pela Procuradoria-Geral da Nação, em maio de 2024, pelos crimes de suborno, fraude processual e suborno em atuação penal. O caso teve início após o senador Iván Cepeda apresentar, entre 2012 e 2014, depoimentos de ex-paramilitares que alegaram ter se encontrado com Uribe enquanto ele era governador do departamento de Antioquia.

Em resposta, o ex-presidente processou Cepeda por calúnia e abuso de função pública. No entanto, em 2018, o tribunal identificou indícios de que Uribe tentou manipular testemunhas para incriminar o parlamentar.

Por isso, em 2020, Uribe chegou a cumprir 67 dias de prisão domiciliar. Na época, ele era senador, mas renunciou ao cargo para ser julgado pela Justiça comum.

Apesar do Ministério Público ter solicitado o arquivamento do caso em 2021, dois juízes rejeitaram a medida em 2022. Com a chegada da procuradora Luz Adriana Camargo em 2024, Uribe foi oficialmente levado a julgamento. Desde fevereiro deste ano, o processo segue em tramitação, com risco de prescrição.

Falas da magistrada e provas analisadas

Durante a audiência, a juíza Heredia declarou: "A Justiça não está a serviço da imprensa nem da política, está a serviço do país". A fala foi interpretada como uma resposta indireta às críticas de Uribe, que alega ser alvo de perseguição política.

Entre as provas aceitas pela magistrada estão interceptações telefônicas autorizadas pela Suprema Corte em 2018, destinadas ao senador Nilton Córdoba, mas que acabaram recaindo sobre Diego Cadena, advogado de Uribe. Segundo a juíza, "o sigilo profissional não pode se transformar em obstáculo para a Justiça".

As escutas indicam conversas sobre estratégias para convencer ex-paramilitares a mudarem seus depoimentos e negarem qualquer ligação entre Uribe, seu irmão Santiago e os grupos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC).

Outra prova considerada válida foi a gravação feita com relógios espiões em 2018 pelo ex-paramilitar Juan Guillermo Monsalve, que, de dentro da prisão, registrou uma conversa com Cadena.

Segundo Monsalve, o advogado o pressionou a beneficiar Uribe em troca de vantagens legais e prejudicar o senador Cepeda. A defesa do ex-presidente nega a autenticidade da gravação.

A juíza destacou que os relatos de Monsalve "não contêm elementos inverossímeis ou mentirosos por serem feitos por alguém privado de liberdade". Ela acrescentou que o depoimento do ex-paramilitar, mantido ao longo de 14 anos mesmo sob pressão, "merece credibilidade".

As gravações foram entregues à Suprema Corte por Deyanira Gómez, ex-esposa de Monsalve, e pelo advogado de Cepeda, dando início ao processo formal contra Uribe.

No entanto, a magistrada rejeitou a existência de provas suficientes para sustentar o crime de suborno em atuação penal, como apontava a acusação inicial.

Ela esclareceu que, no caso de Hilda Niño, ex-fiscal condenada em 2017 por corrupção, não foi comprovado que a promessa envolvia diretamente Uribe. Segundo a juíza, "a proposição era que ela fosse ouvida pelo fiscal-geral da nação, e não que Uribe oferecesse ajuda pessoal para obter um benefício carcerário".

Reconhecimento de vítimas e impactos políticos

Em 2024, a Justiça reconheceu Iván Cepeda como vítima pelas tentativas de envolvê-lo injustamente em crimes e pelos danos à sua imagem como parlamentar. A mesma decisão foi estendida a Deyanira Gómez, que denunciou perseguições e ameaças de morte após colaborar com as investigações. Ela deixou o país com os dois filhos.

Especialistas apontam que a decisão pode ter um impacto político relevante, já que Uribe é uma figura central da direita colombiana e sua imagem tem sido abalada, o que pode refletir nas próximas eleições.

Possível prescrição e desfecho do julgamento

Segundo seu advogado, Jaime Granados, o ex-presidente, de 73 anos, não será preso, independentemente do resultado, pois "não há provas ou testemunhas que sustentem as acusações". Ele ainda alega que, caso não haja uma decisão de segunda instância até outubro, o processo será encerrado por prescrição.

A audiência desta segunda foi acompanhada virtualmente por Uribe e Granados. O defensor substituto, Jaime Lombana, e o senador Cepeda estiveram presentes no complexo judicial de Paloquemao, em Bogotá. Do lado de fora, manifestantes protestaram contra o fundador do partido de direita Centro Democrático.