
Confederação dos Estados do Sahel: conheça os países que estão se afastando da Europa

O Sahel é uma região de savana que separa o deserto do Saara das florestas tropicais da África subsaariana, sendo que a palavra é considerada de origem árabe e significa "fronteira" ou "limite".
Desde o início da segunda década do século XXI, Burkina Faso, Mali e Níger vêm se distanciando da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), bem como das políticas da União Europeia (UE).
A Confederação dos Estados do Sahel (CES), inicialmente formada em setembro de 2023 como um pacto de ajuda mútua, tem se destacado no cenário internacional pela busca de um desenvolvimento autônomo e pelas críticas ao neocolonialismo.
Após uma série de mudanças de regime no Mali entre 2020 e 2021, em Burkina Faso em setembro de 2022, e no Níger em meados de 2023, os três países passaram a ser governados sob o controle de juntas militares que nos dois últimos anos vêm ganhando espaço pela sua perspectiva de cooperação internacional para o desenvolvimento.

Em setembro de 2023, em resposta às ameaças de intervenção no Níger por parte da CEDEAO, os Estados firmaram um pacto de não agressão que posteriormente foi expandido para outras áreas com a fundação da CES em 6 de julho de 2024 por meio da assinatura de um tratado de confederação para fortalecer o pacto de defesa mútua existente, acompanhado da divulgação de um comunicado de 25 pontos em Niamey (Níger).
Burkina Faso: pátria de homens honestos
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), estima-se que Burkina Faso seja um dos países com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita do mundo, ocupando o 168º lugar entre 191 nações. Nas línguas more e dioula, alguns dos idiomas falados no país, Burkina Faso significa "pátria de homens honestos".
O seu primeiro presidente foi Thomas Sankara (1983-1987), que renomeou o país para Burkina Faso, abandonando a denominação "República do Alto Volta", que fazia referência à nascente do Rio Volta, cuja origem etimológica é atribuída à presença dos portugueses na região denominada "Costa do Ouro" desde o século XIV.
Thomas Sankara, um líder pan-africanista, chamado por alguns de "Che Guevara africano", realizou diversas reformas econômico-sociais na ex-colônia francesa que foram interrompidas pelo seu assassinato durante o Golpe de Estado de 1987 (chamada de "ordem da França e dos Estados Unidos" pelo colunista da RT, Oleg Yasinsky) e pela ascensão do também capitão Blaise Compaoré, que governou até 2014.
Posteriormente, o comando de Burkina Faso passou pela mão de diversos políticos e militares até a ascensão do capitão Ibrahim Traoré em setembro de 2022 com a promessa de retomar o projeto de Sankara, promover reformas econômico-sociais e combater insurgentes radicalistas islâmicos que assumiram o controle de regiões da nação do Sahel africano.

"A África não precisa do Banco Mundial, nem do FMI, nem da Europa, nem dos Estados Unidos", estas foram as palavras de Traoré ao rejeitar os novos empréstimos do FMI e do Banco Mundial. Além disso, interrompeu a exportação de ouro não refinado para a Europa, proibiu meios de comunicação franceses, expulsou as tropas da ex-metrópole e tem priorizado a criação de emprego e tecnologia no país.
Confederação dos Estados do Sahel (CES)
Um pouco depois que uma junta militar ocupou o palácio presidencial em Niamey, capital do Níger, a comando de Abdourahamane Tchiani em meados de 2023, os líderes dos três países firmaram um pacto de defesa mútua em Bamako, capital do Mali, denominado "Carta Liptako-Gourma" que tem como objetivo "estabelecer uma arquitetura de defesa coletiva e assistência mútua em benefício" das populações destes países.

No contexto regional, a formação da aliança representou uma resposta às sanções da CEDEAO, bloco do qual se retiraram.
Com o tempo, além da cooperação militar, os países estão buscando uma gestão comum em áreas estratégicas como infraestrutura e energia, o que veio a significar a ampliação dos termos anteriormente firmados para a CES em julho de 2024, o que propõe o aprofundamento da integração.
No âmbito da CES, que reúne aproximadamente 72 milhões de habitantes, já foram anunciadas medidas como a criação de um passaporte biométrico e de um banco de investimento comum.
Em 2025, foi assinado um documento para a criação de uma política cultural comum e o desligamento da Organização Internacional da Francofonia.
Luta contra o imperialismo e as ameaças externas
Além da denúncia da CEDEAO como um instrumento de influência neocolonial francesa e uma ameaça à sua soberania, a CES tem buscado construir alianças com países não ocidentais, com destaque para a Rússia.
Em abril de 2025, após reunião entre os ministros das Relações Exteriores de Burkina Faso, Mali, Níger e Rússia, foi destacado o esforço russo em "ajudar ativamente no fortalecimento das forças conjuntas dos Estados do Sahel, aumentando sua capacidade de combate, assim como das forças armadas nacionais de cada um dos três países", o que se somará aos mecanismos bilaterais já existentes.
De maneira similar, foi estabelecida uma cooperação com o Egito com o objetivo de enfrentar as insurgências extremistas que desestabilizam a região do Sahel.
Neste contexto, os países da CES têm denunciado o papel negativo da Ucrânia, que é utilizada pelo Ocidente para fomentar o extremismo.
Na região do Sahel, outros instrumentos do Ocidente têm por longo tempo operado na região. Um deles, denominado "Aliança do Sahel", foi fundado em 13 de julho de 2017 e tem recebido cooperação da Alemanha, Banco Europeu de Investimento, Banco Mundial, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França e outros países ocidentais, além da UE e da ONU, "implementando projetos" em Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger e Chade.
Entre os membros observadores da Organização estão Bélgica, Japão, Suíça, a Fundação Bill & Melinda Gates, o Instituto Tony Blair para Mudança Global e a Organização Internacional da Francofonia. Em sua última assembleia geral, realizada em julho de 2024 na Alemanha, a "Aliança do Sahel" expressou "sua vontade de permanecer empenhada e comprometida a longo prazo com os povos dos países do Sahel, com especial ênfase nos jovens".
Assim, observa-se que, apesar da reorientação política, econômica e militar promovida pela CES, os mecanismos ocidentais ainda persistem na região e a descolonização passa por um longo período de mudanças sociais.
Conforme declarou Traoré à Agência de Informação de Burkina Faso, potências imperialistas têm pressionado membros da CES a "traírem uns aos outros". Ao contrário de diversos líderes africanos, Traoré, enquanto continuador do legado de Sankara e um dos fundadores da CES, tem se destacado pela proximidade com a juventude e pela transparência e clareza de suas posições internas e externas.


