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Gringo: uma palavra que revela a natureza da relação entre EUA e América Latina

Embora estudiosos apontem a Espanha como o local de origem desta expressão, ela atualmente possui um significado mais amplo na região que está relacionado à história de cada país.
Gringo: uma palavra que revela a natureza da relação entre EUA e América LatinaGettyimages.ru / Felix Marquez

Nos dois protestos antigentrificação que ocorreram na Cidade do México no mês passado, o slogan "Fora gringo!" ganhou destaque nas faixas e nas vozes dos manifestantes que rejeitam o aumento dos preços das moradias e o aumento do custo de vida em áreas onde se instalaram estrangeiros de alto poder aquisitivo do país vizinho.

No México, assim como em outros países latino-americanos, a expressão "gringo", usado para se referir a estrangeiros, geralmente americanos, carrega um tom depreciativo que faz mais referência às feridas causadas pelos sucessivos governos dos EUA e pelas grandes corporações da região do que aos seus habitantes.

Nos últimos dias, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva declarou: "Não é um gringo que vai dar ordens a esse presidente da República" em meio aos recentes atritos com seu colega americano, Donald Trump, que ameaçou impor ao país sul-americano tarifas de 50% em retaliação aos processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Gringo, go home!"

A história latino-americana está repleta de intervenções apoiadas por Washington, que também apoiou golpes militares contra governos progressistas; forneceu recursos econômicos, logística e armas para a luta contra a insurgência; empreendeu campanhas antidrogas que só aumentaram a violência e a desigualdade na região; e financiou programas de segurança ambiciosos para manter o controle estadunidense na América Latina, que considera seu "quintal".

As multinacionais americanas também deixaram marcas de derramamento de sangue, exploração, condições de trabalho desumanas e danos ambientais na América Latina. Os casos mais emblemáticos são os da empresa bananeira Chiquita Brands — que financiou o paramilitarismo na Colômbia — e da Cargill, no Brasil, que incentivou o trabalho escravo e a exploração infantil nas fazendas de cacau.

Neste ambiente cultivado há décadas, a expressão "gringo" costuma ser um reflexo da maneira como os EUA se relacionavam com um determinado país, sua proximidade geográfica e, em muitos casos, o desejo de seus habitantes de impedir uma invasão militar, econômica ou cultural. No entanto, há quem veja a chegada de americanos em seus países como uma oportunidade de investimento e prosperidade econômica.

Daí o grito: "Gringo, go home" (Gringo, vá para casa!) não é exclusiva do México e já foi ouvida em outros países, como a Colômbia, onde ocorre a gentrificação e a exploração sexual de menores, principalmente em Medellín; No Panamá, onde os cidadãos saíram para protestar contra as declarações do presidente dos EUA sobre a retomada do controle do Canal do Panamá; e na Venezuela, onde as relações com os EUA têm sido tensas desde o governo de Hugo Chávez (2002-2013).

A palavra "Gringo" no contexto mexicano

No ensaio "Sobre a origem da palavra gringo" do doutor em história Rodrigo Martínez Baracs, o autor mexicano afirma que "para evitar as designações incômodas de americano, norte-americano, estadunidense e Estados Unidos, o uso da palavra gringo se disseminou e se fortaleceu a tal ponto de até mesmo os gringos no México se autodenominam gringos".

Em sua opinião, o termo é "necessário para a autodefinição imaginária da nacionalidade" dos mexicanos "sob o risco de perderem sua própria identidade e se tornarem subordinados ou marginalizados" pois o nome oficial do país latino-americano é 'Estados Unidos Mexicanos'.

Portanto, a apropriação do adjetivo pelo México para descrever seus vizinhos do norte chegou ao ponto de situar a origem da palavra no país latino-americano, fato questionado por linguistas e pesquisadores espanhóis.

A origem da palavra gringo

O termo "gringo" parece ter origem na Espanha do século XVIII, de acordo com Martínez Baracs, e seria derivado da palavra "grego", no sentido de uma língua estrangeira incompreensível. Sua origem está no ditado medieval 'Graecum est, non legitur' ('É grego, [portanto] impossível de ler'), que atualmente sobrevive na expressão "isso é grego para mim".

Entre os séculos XVIII e XIX, continua o historiador, a palavra grega foi transformada em 'gringo', segundo o Dicionário Castelhano de Esteban Terreros, publicado entre 1786 e 1793.

Por sua vez, o etimologista espanhol Joan Corominas, citado pela Hispanopedia, considera que "a derivação do grego para gringo exigiu duas etapas, primeiro: grego > grigo, e depois: grigo > gringo".

No entanto, existem outras versões sobre sua possível origem etimológica que são mais populares e centradas no México, mas que são descartadas pelos estudiosos.

Entre elas está a suposta divisão por cor dos batalhões americanos durante a invasão do México entre 1846 e 1848, quando o comandante gritava para os soldados de verde "Green, go!" (Vá em frente, verdes!), que seria ouvido pelos mexicanos como 'gringo'.

Outra hipótese é que as tropas americanas durante a invasão do México cantavam uma música que começava com: 'Green grows...', da canção 'Green Grow the Rushes', o que teria dado origem à palavra.

A expressão também pode ser uma versão espanhola de "green coat" (casaco verde), o uniforme usado pelos soldados americanos, ou "green gold" (ouro verde), como os estrangeiros se refeririam às plantações de banana de Veracruz.