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'Cidade humanitária' planejada por Israel pra palestinos é 'campo de concentração', afirma Olmert

O plano envolve confinamento de civis palestinos sob triagem, vigilância militar e proibição de saída, denunciou o ex-primeiro-ministro israelense.
'Cidade humanitária' planejada por Israel pra palestinos é 'campo de concentração', afirma OlmertGettyimages.ru / Ramez Habboub / GocherImagery

Ehud Olmert, ex-primeiro-ministro de Israel, nomeou de "campo de concentração" o plano do governo de Benjamin Netanyahu de construir uma chamada "cidade humanitária" sobre as ruínas de Rafah, no sul da Faixa de Gaza.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, publicada no domingo (13), Olmert afirmou que obrigar os palestinos a viverem sob confinamento e vigilância militar representa uma forma de limpeza étnica.

"É um campo de concentração. Sinto muito", declarou. "Se eles [palestinos] forem deportados para essa nova 'cidade humanitária', então pode-se dizer que isso faz parte de uma limpeza étnica". 

O plano, apresentado pelo ministro da Defesa Israel Katz, prevê o deslocamento inicial de 600 mil pessoas da região de Mawasi para a nova área murada, com triagens para barrar membros do Hamas e restrição total de saída.

A estrutura, que poderá ser expandida para abrigar toda a população palestina de Gaza, teria segurança garantida "à distância" pelas Forças de Defesa de Israel e seria administrada por organismos internacionais, ainda não especificados.

Segundo Katz, os habitantes só poderiam deixar o local para outros países. A construção da área poderia começar durante um eventual cessar-fogo com o Hamas.

Olmert argumenta que o projeto representa uma escalada do que considera crimes de guerra já em curso.

"Quando constroem um campo em que [planejam] 'limpar' mais da metade de Gaza, então a compreensão inevitável dessa estratégia [é que] não se trata de salvar [os palestinos]. Trata-se de deportá-los, empurrá-los e descartá-los. Não há outra interpretação possível, pelo menos para mim", disse.

Embora tenha ressaltado que a limpeza étnica "ainda não aconteceu", o ex-líder afirmou que a proposta seria "a interpretação inevitável" caso o campo fosse implantado. "Não é para salvar. É para jogar fora". 

Críticos dentro de Israel apontam que a ideia não se sustenta como projeto humanitário. "Não é humanitário e nem uma cidade", afirmou o historiador do Holocausto Amos Goldberg ao The Guardian no último dia 07 de julho, quando a proposta foi anunciada. Para o advogado Michael Sfard, o plano "é um roteiro para crimes contra a humanidade".

A proposta tem o apoio de Netanyahu, mas enfrenta resistência até dentro da cúpula militar. Segundo relatos da imprensa israelense, o chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, alertou que o plano comprometeria os objetivos centrais do governo: eliminar o Hamas e libertar os reféns.

''O inimigo de dentro''

Olmert também criticou a atuação de ministros do atual gabinete, chamando-os de "o inimigo de dentro". Para ele, são os próprios representantes do governo que impulsionam a violência contra palestinos na Cisjordânia e o colapso moral da política israelense. "Não posso me abster de acusar este governo de ser responsável por crimes de guerra cometidos", disse.

Nos últimos meses, a campanha de violência contra civis e comunidades palestinas na Cisjordânia, com envolvimento de colonos israelenses armados, levou ao esvaziamento de vilarejos inteiros.

Um dos episódios mais recentes, relatado no dia da entrevista, envolveu a morte de dois palestinos, incluindo um cidadão norte-americano, por colonos em funerais na Cisjordânia ocupada.

Olmert rejeitou a justificativa de que todas as críticas externas seriam expressão de antissemitismo.

"Não acho que sejam apenas antissemitas. Muitos são anti-Israel por causa do que veem nas redes sociais e na televisão. É uma reação normal de pessoas que dizem: 'Vocês cruzaram todas as linhas possíveis'", declarou.

Ele defendeu maior pressão internacional diante da ausência de oposição política relevante dentro de Israel e acusou os meios de comunicação locais de ignorarem a violência cometida contra palestinos.

Apesar da destruição em Gaza, Olmert ainda vê possibilidade de uma solução negociada. Segundo ele, um acordo que envolva o fim do conflito e a normalização das relações com a Arábia Saudita só seria viável sem Netanyahu no poder. Nesse sentido, Olmert tem articulado propostas ao lado do ex-chanceler palestino Nasser al-Kidwa.