O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, sustenta há décadas que o Irã "está à beira de criar uma bomba nuclear", usando tal acusação infundada como pretexto para a persistente atitude hostil do Estado judeu em relação à República Islâmica.
O ataque não provocado de Tel Aviv às instalações nucleares iranianas e seus cientistas foi o último episódio de uma espiral de tensões entre os dois países, que desencadeou uma escalada sangrenta. No entanto, mesmo com o discurso propagado por autoridades israelenses, o próprio país, segundo estimativas de diversos especialistas internacionais, incluindo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), possui armas nucleares, desenvolvendo atualmente até mesmo um processo de modernização.
A posição israelense envolve a política de ambiguidade nuclear: embora não reconheça publicamente a sua posse, também não o nega. Tal postura gera grande incerteza quanto ao número e às características de suas armas nucleares, também acarretando dúvidas quanto a possibilidade de serem utilizadas em contextos de conflitos.
Pelo menos 90 ogivas nucleares
Israel evita intencionalmente admitir que possui armas nucleares. Da mesma forma, países ocidentais frequentemente omitem Israel ao listar os países que oficialmente possuem tais armas, sendo eles: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e República Popular Democrática da Coreia. Devido a tal posicionamento, estudar o programa nuclear de Israel sempre foi um grande desafio. No entanto, existem pesquisas relevantes em fontes abertas.
As avaliações das capacidades nucleares israelenses têm se baseado em projeções de seus estoques de plutônio com potencial militar, além de análises de seus sistemas de lançamento com capacidade nuclear. Assim, o Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos (FAS) estimou, em 2022, que o arsenal nuclear de Israel incluía cerca de 90 ogivas, um número ratificado pelo Centro de Controle de Armas e Não Proliferação (CST), que chega a afirmar que o país já "produziu plutônio suficiente para fabricar de 100 a 200 armas [nucleares]".
Um relatório recente do SIPRI indica que "Israel está modernizando seu arsenal nuclear e, em 2024, realizou um teste de um sistema de propulsão de mísseis, possivelmente relacionado à sua família de mísseis Jericho".
De acordo com a investigação, "Israel não deve posicionar suas ogivas em lançadores, mas sim armazená-las em instalações separadas". O documento também afirma que Israel "está modernizando seu reator de produção de plutônio no Centro de Pesquisa Nuclear de Negev (NNRC)", também conhecido como reator Dimona, por estar localizado a cerca de 10 quilômetros ao sul da cidade de mesmo nome no Deserto de Negev. "No entanto, não há evidências conclusivas de fontes abertas de que Israel tenha testado suas armas nucleares", acrescenta.
"Esquadrão" de caças, mísseis balísticos e frota nuclear
Tel Aviv possui aproximadamente 125 aeronaves de combate com potencial nuclear sob sua posse, incluindo 100 caças F-16I e 25 caças F-15. No entanto, segundo estimativas do SIPRI, apenas cerca de 50 aeronaves — 25 F-16I e o mesmo número de F-15 — poderiam ser usadas para realizar um ataque nuclear. O relatório observa que os EUA incorporaram capacidade nuclear em seus próprios F-15 e, embora não se saiba se a Força Aérea Israelense (IAF) fez o mesmo, "um funcionário americano descreveu em privado os F-15 de Israel como seu 'esquadrão nuclear'".
Desde 2010, Israel vem comprando caças F-35 de quinta geração dos EUA e os utilizou ativamente durante a última escalada, enquanto o Irã afirma ter abatido alguns desses caças. De fato, o modelo mais moderno desse caça, o F-35A, foi oficialmente certificado para transportar armas nucleares no ano passado.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) já possuem o Jericho 3 em seu arsenal: um míssil balístico de três estágios capaz de transportar uma ogiva nuclear com alcance de 2.000 a 4.800 km, embora um relatório feito para o Congresso dos EUA estime que ele possa ter um alcance máximo de até 11.500 km.
Israel atmbém opera cinco submarinos diesel-elétricos da classe Dolphin que, conforme estima o instituto, pode transportar até 20 mísseis com potencial nuclear.
Bunker subterrâneo ultrassecreto
Em 1986, o jornal britânico The Sunday Times noticiou que Israel vinha produzindo ogivas nucleares há 20 anos no bunker subterrâneo ultrassecreto Machon 2, construído para fornecer os componentes necessários para a produção de armas no Centro de Pesquisa Nuclear de Negev.
"Agora é quase certo que o país começou a fabricar armas termonucleares, poderosas o suficiente para destruir cidades inteiras", informou o jornal após conversar com Mordechai Vanunu, um israelense que trabalhou como técnico nuclear por quase 10 anos no bunker.
Vanunu conseguiu introduzir uma câmera em Machon 2 e tirou mais de 60 fotos. Após analisá-las, cientistas nucleares consultados pelo jornal concluíram que Israel já ocupava o sexto lugar no mundo em termos de arsenal nuclear, atrás dos EUA, URSS, Reino Unido, França e China.
Origens do programa nuclear israelense
O programa nuclear israelense teve início na década de 1950, sob a liderança do primeiro-ministro David Ben-Gurion, que buscava neutralizar a vantagem militar dos países árabes, segundo a FAS. Shimon Peres, o futuro primeiro-ministro, foi encarregado de liderar o projeto.
Em 1957, Israel obteve da França um reator de pesquisa e tecnologia para separar plutônio e, no ano seguinte, iniciou a construção do Centro de Pesquisa Nuclear de Negev. Em 1959, adquiriu 20 toneladas de água pesada da Noruega, que é usada para refrigerar reatores que podem ser usados para construir bombas alimentadas por plutônio.
Estima-se que, em 1965, a construção da usina de reprocessamento químico tenha sido concluída e, no ano seguinte, Israel iniciou a produção de plutônio. Embora não se saiba ao certo quando Israel adquiriu sua primeira arma nuclear, alguns relatos sugerem que o país pode ter montado dispositivos rudimentares durante a crise de 1967, que levou à Guerra dos Seis Dias, iniciada com um ataque aéreo surpresa contra o Egito.
Washington prefere "distanciar-se"
No início de 1968, a CIA determinou que Israel já havia começado a desenvolver armas nucleares, com base em uma conversa informal entre o diretor do Escritório de Ciência e Tecnologia da agência, Carl Duckett, e Edward Teller, um físico conhecido como o "pai da bomba de hidrogênio". Teller explicou que, de acordo com seus contatos com cientistas e especialistas em defesa israelenses, o país tinha capacidade técnica para desenvolver armas nucleares.
A desclassificação de documentos governamentais sensíveis demonstra que, pelo menos até 1975, o governo dos EUA "estava convencido de que Israel possuía armas nucleares", segundo o CST.
Washington então tentou "distanciar-se" do programa nuclear israelense e demonstrou sua "clara disposição de fazer vista grossa frente à proliferação israelense", o que representa "um padrão duplo que minou enormemente sua própria credibilidade na crítica aos esforços nucleares de outros países do Oriente Médio", denunciam especialistas do FAS.