
Prefeitos brasileiros em Israel foram instruídos a defender narrativa israelense – imprensa

Vídeos obtidos com exclusividade pelo jornal O Potiguar mostram que prefeitos brasileiros, durante missão oficial em Israel, participaram de uma palestra ministrada por um oficial israelense com orientações para atuarem politicamente no Brasil em defesa da narrativa israelense sobre o conflito na Faixa de Gaza. A atividade, segundo o jornal, não constava na programação oficial da visita.
Atividade fora do roteiro oficial
A missão, denominada Muni Israel 2025, teve início em (9) de junho e foi organizada pelo Instituto Internacional de Liderança, ligado ao Ministério das Relações Exteriores de Israel, por meio da agência Mashav. O objetivo declarado era promover o intercâmbio de experiências em segurança urbana, inovação tecnológica e gestão pública, conforme consta no documento oficial obtido por O Potiguar.
A programação incluía visitas a centros de monitoramento, reuniões com prefeitos israelenses, visitas técnicas a empresas e locais como Jerusalém e Galileia. No entanto, segundo relato de um integrante da comitiva ao O Potiguar, a palestra com conteúdo político foi articulada após o agravamento do conflito entre Israel e Irã e não fazia parte do cronograma entregue aos participantes.

Descredibilização da imprensa brasileira

O vídeo mostra o advogado Rafael, brasileiro naturalizado israelense com quase duas décadas de atuação nas Forças de Defesa de Israel (FDI), instruindo os prefeitos brasileiros a se tornarem "embaixadores da verdade" ao voltarem ao país.
"Eu quero que vocês, quando voltarem para o Brasil, possam ser embaixadores — não de Israel, mas da verdade", afirmou Rafael, ao defender que os presentes rebatam acusações contra Israel e atuem politicamente em seus municípios.
Durante a exposição, ele ataca veículos de imprensa tradicional, acusando-os de divulgar "narrativas enganosas" e de se basearem em fontes como a Guarda Revolucionária do Irã. "A guerra midiática está perdida", afirmou o oficial, alegando que Israel só pode tentar "diminuir os danos".
Genocídio, proporcionalidade e mortos civis
Boa parte da palestra se concentrou na tentativa de desconstituir acusações comuns ao governo israelense, como genocídio e uso desproporcional da força. Rafael argumenta que a proporcionalidade em conflitos armados não se mede por número de mortos, mas pela relação entre o dano colateral e a vantagem militar, segundo o direito internacional.
Ele cita o artigo 57 do Protocolo I da Convenção de Genebra, de 1977, e ilustra com exemplos: "Se o alvo militar for o chefe do Hamas e o dano colateral for de 10 civis, o ataque é proporcional. Mas se o alvo for um cozinheiro e houver 50 crianças, o ataque não se justifica", disse.
Nesse contexto, chegou a afirmar que um cozinheiro que prepara refeições para o Hamas é um alvo militar legitimo, já que ele desempenha um papel relevante para o grupo: ''Os terroristas do Hamas vão receber uma comida menos saborosa, vão estar mais fracos. É um alvo legítimo'', argumentou.
Vale lembrar que o artigo em questão da Convenção de Genebra trata justamente da necessidade de verificar os alvos para garantir que não sejam civis, além de exigir a escolha de métodos de ataque que minimizem os danos colaterais.
Ainda segundo ele, Israel já eliminou 25 mil combatentes desde o início do conflito, número que serviria como base para demonstrar que o número de civis mortos seria, na sua visão, baixo: "De acordo com a ONU, em guerras urbanas, a proporção é de 9 civis para cada combatente. Em Gaza, essa proporção seria inferior a 1 para 1", afirmou.
Os dados citados por Rafael não são confirmados por nenhum governo ou organização.
Ele criticou as fontes oficiais palestinas, afirmando que os dados divulgados pelo Ministério da Saúde de Gaza não contabilizam mortes naturais nem combatentes. "Na faixa de Gaza, todas as pessoas que morrem, morrem por ataques israelenses", ironizou.
Contexto do programa
Segundo o documento oficial do programa Muni Israel 2025, a missão teve como temas principais a "segurança cidadã", a "liderança municipal diante da complexidade regional" e o "desenvolvimento urbano e tecnológico". Estavam previstas visitas a locais afetados pelo conflito, como os kibutzim na região próxima à Faixa de Gaza, bem como encontros com familiares de vítimas do 7 de outubro.
A palestra revelada por O Potiguar não aparece listada entre as atividades oficiais. A visita dos prefeitos brasileiros gerou repercussão nacional após o Itamaraty resgatá-los de forma emergencial via Jordânia, no último dia 16, por risco à segurança. O Ministério das Relações Exteriores havia desaconselhado viagens à região desde o início da ofensiva.


