Como as negociações sobre o programa nuclear do Irã levaram à ofensiva israelense?

O ataque do país judeu ocorreu dias antes de nova rodada de negociações entre Teerã e Washington; países como Rússia, Brasil e Turquia condenam a ação israelense e alertam para os sérios riscos uma escalada.

O programa nuclear iraniano tem sido uma fonte de pressão sobre o Irã há décadas.

O presidente dos EUA, Donald Trump, que durante seu primeiro mandato se retirou do acordo que previa o compromisso de Teerã de não desenvolver ou adquirir armas nucleares, pressionou pela retomada das negociações após sua reeleição. As consultas para um novo tratado estavam em andamento quando, poucos dias antes de uma nova rodada de negociações, Israel lançou uma operação militar contra instalações nucleares e militares iranianas.

Os últimos meses, que antecederam o ataque, foram marcados por um processo de negociação conturbado e por ameaças ao Irã por parte de EUA e Israel.

Acordo de 2015

O Plano de Ação Conjunto Global, firmado em 2015 pelo Irã, pelo grupo P5+1 (Reino Unido, China, França, Rússia, Estados Unidos e Alemanha) e pela União Europeia, é considerado um marco na história do programa nuclear iraniano. O acordo foi assinado enquanto o Irã sofria com sanções que atingiam setores como o bancário, o comercial e o militar, com impacto de bilhões de dólares sobre a economia do país.

No entanto, o pacto, que previa o fim de diversas restrições contra a República Islâmica em troca do compromisso de não desenvolver ou adquirir armamentos nucleares, teve curta duração em sua forma original.

Em 2018, ainda durante o primeiro mandato de Trump, os EUA se retiraram unilateralmente do acordo, restabeleceram sanções contra Teerã e impuseram novas medidas restritivas.

À altura, ele classificou o tratado como um "acordo horrível e unilateral", que "não trouxe paz" e "nunca trará", alegando que mesmo com o cumprimento das cláusulas, o Irã poderia produzir armas nucleares "em pouco tempo".

Em resposta, Teerã passou a suspender gradualmente suas obrigações. O governo Biden tentou relançar o pacto em 2021, mas as negociações não avançaram durante seu mandato.

Negociações e ameaças

Com a reeleição de Donald Trump, os esforços para retomar um acordo ganharam novo fôlego. EUA e Irã chegaram a iniciar negociações indiretas, e uma nova rodada estava marcada para 15 de junho, em Omã. As discussões se centrariam nas divergências sobre o limite para o enriquecimento de urânio e no possível alívio das sanções americanas.

Em meados de maio, o chanceler iraniano, Sayyid Abbas Araghchi, admitiu que uma das dificuldades era a postura contraditória de Washington nas tratativas.

Trump já vinha há meses ameaçando o Irã com ataques aéreos contra suas instalações nucleares e com uma política de "pressão máxima massiva", caso um entendimento não fosse alcançado. As ameaças foram feitas por volta de março.

No mesmo período, a diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard, afirmou que a Comunidade de Inteligência americana "continua acreditando que o Irã não está desenvolvendo armas nucleares" e que o líder supremo do país "não autorizou o programa de armas nucleares que ele suspendeu em 2003".

"Continuamos monitorando de perto se Teerã decide reautorizar seu programa de armas nucleares", disse.

No final de maio, Trump declarou que Washington e Teerã poderiam chegar a um acordo "em um futuro não muito distante", já que os iranianos "não querem ser bombardeados".

O Irã respondeu classificando a ameaça como uma "linha vermelha" e alertou para "graves consequências" caso a ofensiva se concretizasse. As tensões vinham escalando gradualmente. No início de junho, Trump afirmou que os EUA "não permitirão que o Irã enriqueça urânio".

Israel intensifica tensões e finalmente ataca

Durante esse período, Israel também endureceu o tom. Em abril, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que aceitaria uma solução diplomática para a crise se o Irã não tivesse capacidade de enriquecer urânio e toda a sua infraestrutura nuclear fosse desmantelada. Teerã respondeu classificando essa "fantasia" de Israel como "distante da realidade" e alertou que qualquer ataque militar teria uma reação imediata.

Na madrugada de 13 de junho, Israel lançou um ataque não provocado contra instalações nucleares, altos oficiais militares, cientistas e contra estruturas civis iranianas. Netanyahu comemorou a operação como "muito bem-sucedida" e disse que ela atingiu "o coração" do programa nuclear do Irã.

Trump, por sua vez, afirmou que tinha conhecimento prévio da ofensiva, mas destacou que os EUA não participaram do ataque.

Rejeição global

Desde o início da operação, Rússia, China e vários outros países condenaram o ataque israelense e destacaram que a ação de Tel Aviv representa uma grave violação do direito internacional e da Carta da ONU.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, alertou para consequências "imprevisíveis" e reiterou a disposição do país em buscar caminhos de mediação. A representação russa na ONU afirmou que as "aventuras militares" de Israel "estão levando a região à beira de uma grande guerra" e de uma possível catástrofe nuclear.

Países como Brasil, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Arábia Saudita, Turquia e Paquistão também condenaram categoricamente a ofensiva israelense.



ENTENDA O PROGRAMA NUCLEAR DO IRÃ LENDO NOSSO ARTIGO.