
Cientistas deixam EUA sob Trump e comparam repressão à era do fascismo

"Estou empacotando a casa. Sinto-me como alguém fugindo de um regime fascista". A declaração ao portal Uol foi feita por um cientista brasileiro, vinculado a um dos maiores centros acadêmicos de Boston, ao relatar a decisão de deixar os Estados Unidos junto com sua esposa, também pesquisadora.
Ambos estão migrando para a Escandinávia em 2025, após meses de escalada de tensões entre o governo de Donald Trump e a comunidade acadêmica.
O casal integra um fluxo crescente de cientistas estrangeiros que abandonam os EUA, diante de políticas consideradas hostis à ciência, à diversidade e à liberdade acadêmica. Em resposta ao êxodo, a União Europeia lançou uma linha de crédito de 500 milhões de euros destinada a universidades que acolham esses pesquisadores.
O cientista brasileiro, que pediu anonimato por questões de segurança e para não prejudicar colegas, descreve uma deterioração contínua no ambiente universitário desde o início do novo mandato de Trump.

Segundo ele, os primeiros sinais surgiram com exigências para que universidades desmontassem programas de diversidade e a suspensão de operações relacionadas à ajuda externa.
Direções universitárias começaram a se comunicar com os pesquisadores por e-mail, buscando garantir proteção e apoio jurídico. No entanto, a situação escalou.
Em abril de 2025, a Universidade de Harvard emitiu um comunicado oficial à sua comunidade indicando que a instituição estava sendo alvo de revogações de vistos.
O texto alertava, de forma indireta, que não poderia assegurar que estrangeiros não seriam barrados em aeroportos. A universidade também ofereceu suporte jurídico e logístico para os casos mais críticos.
"O clima passou a ser de medo", relata o cientista.
Documentos obtidos por pesquisadores, inclusive pela família brasileira entrevistada, passaram a orientar medidas extremas. Eles foram instruídos a apagar de seus celulares qualquer registro de participação em protestos ou manifestações em apoio à Palestina, bem como publicações críticas ao governo Trump. A orientação incluía ainda a recomendação de não reagir a provocações de agentes de imigração.
A insegurança levou dezenas de pesquisadores a cancelarem viagens a conferências internacionais. Houve casos de acadêmicos obrigados a retornar ao país de origem durante deslocamentos, além da proibição de apresentações em eventos científicos. Em Maryland, uma professora relatou ter recebido a recomendação de não exibir slides de suas pesquisas.
O medo de ficar retido fora dos EUA atingiu até os planos pessoais. Durante as férias de Páscoa, muitos professores desistiram de viajar para destinos no México e no Caribe, receando não conseguir retornar ao país.
A pressão não se limitou às fronteiras. Em diversas universidades, equipes de pesquisa passaram a modificar a terminologia de seus projetos para evitar o uso de palavras que poderiam atrair o escrutínio do governo, como "gênero", "racismo estrutural" e "mudanças climáticas". Um verdadeiro glossário começou a circular entre departamentos, na tentativa de disfarçar os objetivos das investigações.
A tensão também afetou os recursos financeiros. A suspensão de editais e o adiamento de repasses deixaram dezenas de projetos paralisados. Universidades passaram a designar cidadãos americanos para receber pesquisadores em aeroportos, numa tentativa de mitigar incidentes com a imigração.
Diante do cenário, o brasileiro e sua esposa decidiram concluir o semestre letivo e organizar a mudança para a Escandinávia. A saída, segundo ele, jamais havia sido cogitada antes.

