
Rock in Rio é incluído na 'lista suja' do trabalho escravo após resgate de 14 pessoas

A empresa Rock World, responsável pelos festivais Rock in Rio e The Town, foi incluída pelo Ministério do Trabalho e Emprego no cadastro de empregadores responsabilizados por uso de mão de obra análoga à escravidão, conhecido como "lista suja", segundo o portal Uol.
A inclusão ocorreu após a empresa ter exercido seu direito à defesa na esfera administrativa, em resposta a autos de infração lavrados após uma operação que resgatou 14 trabalhadores no festival Rock in Rio, em setembro de 2023.
A fiscalização começou no dia 22 de setembro de 2023, e envolveu auditores fiscais do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro e procuradores do Ministério Público do Trabalho da 1ª Região.
Durante a ação, foram encontradas pessoas dormindo em papelões e sacos plásticos, tomando banho com canecas por falta de chuveiro e submetidas a jornadas que chegaram a 21 horas.
"Eles começavam a jornada às 8h e iriam até as 17h. Quando dava o horário, o supervisor perguntava: quem quer dobrar? E eles iam até as 5h da manhã. O problema é que já retornariam três horas depois", explicou o auditor fiscal do trabalho Alexandre Lyra, um dos coordenadores da operação.

De acordo com Lyra, os trabalhadores dormiam no próprio local, sobre o chão, usando mochila como travesseiro e banheiro improvisado. "Era uma jornada exaustiva, carregavam peso, sem uma recomposição de energia e sem uma devida alimentação. Aliás, segundo os trabalhadores, até a marmita chegava azeda às vezes", disse o auditor.
As vítimas atuavam na montagem da estrutura do festival e na limpeza de áreas, com promessa de pagamento entre R$ 90 e R$ 150 por diária. Parte dos valores não foi paga.
Segundo os fiscais, estavam submetidas a condições degradantes, jornadas exaustivas e trabalho forçado, elementos previstos no artigo 149 do Código Penal como caracterizadores do trabalho escravo contemporâneo.
"Sabe aquela fotografia clássica do barraco de lona, das necessidades fisiológicas no mato, do consumo de água compartilhadas com os animais, do trabalho escravo rural? Por incrível que pareça, vimos mais ou menos essa fotografia no ambiente urbano do Rock in Rio. Os trabalhadores estavam largados", afirmou Lyra.

A empresa terceirizada FBC Backstage Eventos Ltda, contratada para prestar os serviços, também foi responsabilizada. Foram lavrados 21 autos de infração contra a FBC e 11 contra a Rock World.
Segundo a força-tarefa, a organizadora do festival falhou em garantir condições mínimas de segurança, saúde e instalações adequadas, além de não fiscalizar devidamente a contratada, obrigação prevista pela legislação trabalhista mesmo nos casos de terceirização.
Na época do resgate, a empresa responsável pelo festival afirmou que "as autoridades lançaram sérias acusações contra a Rock World, de maneira precipitada, desrespeitando o direito constitucional ao contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, já que os fatos ainda estão sob o crivo de um processo administrativo recém iniciado".
A empresa disse ainda que o caso envolvia exclusivamente trabalhadores de uma terceirizada e declarou ter orientado fornecedores a seguir a legislação.
A FBC Backstage Eventos Ltda já havia sido incluída na "lista suja" em abril deste ano.
Casos anteriores
Não é a primeira vez que casos de trabalho análogo a escravidão ocorrem no Rock in Rio. Em 2013, o Ministério do Trabalho responsabilizou a rede de fast food Bob’s por 93 trabalhadores nessas condições. Eles foram alojados em estruturas precárias e obrigados a contrair dívidas para poder trabalhar no evento. A rede usou a empresa To East, que subcontratou a 3D Eventos.

Na época, o Rock in Rio declarou que "a contratação de funcionários é de responsabilidade, firmada em contrato, dos operadores de bares e lanchonetes".
Dois anos depois, em 2015, 17 pessoas foram resgatadas em situação semelhante. Trabalhadores da empresa Batata no Cone, que atuavam como ambulantes dentro do festival, eram obrigados a arcar com despesas superiores ao que ganhavam, incluindo alimentação, transporte e batatas não vendidas.
A organização do Rock in Rio declarou que "não tem qualquer responsabilidade sobre a contratação de profissionais de outras empresas para atuarem na Cidade do Rock" e que "trabalha de acordo com a legislação brasileira e lamenta que este não seja o procedimento adotado por outras empresas".
Trabalho escravo contemporâneo no Brasil
O Brasil aboliu oficialmente a escravidão em 1888, mas ainda registra casos de trabalho escravo contemporâneo. A legislação atual considera escravidão situações com trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva, todos elementos que negam liberdade e dignidade ao trabalhador.
Mais de 66 mil pessoas já foram resgatadas em condições análogas à escravidão desde que o governo brasileiro começou a atuar sistematicamente nesse tipo de fiscalização. Os casos ocorrem em diferentes setores: do agronegócio à construção civil, passando por oficinas de costura, mineração e grandes eventos urbanos.
A "lista suja" é considerada referência internacional pelas Nações Unidas e usada por bancos e empresas no Brasil e no exterior para monitoramento de risco. A inclusão no cadastro dura dois anos e pode ser revertida por meio de acordos que exigem reparações e compromissos com boas práticas trabalhistas.

