A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nesta terça-feira (20) o decreto-lei que restringe o acesso à cidadania italiana por direito de sangue para descendentes nascidos no exterior. O texto, que já havia sido aprovado pelo Senado, foi confirmado com 137 votos favoráveis e 83 contrários. Com a sanção, a medida torna-se definitiva.
Pelas novas regras, só têm direito à cidadania os filhos e netos de italianos que nasceram fora da Itália, desde que o ascendente direto possua ou tenha possuído exclusivamente a cidadania italiana. O texto substitui o antigo critério, vigente desde 1992, que não limitava o número de gerações.
A medida atinge diretamente descendentes em países como o Brasil e a Argentina, que receberam grande número de imigrantes italianos entre o fim do século 19 e início do século 20.
No Brasil, estima-se que existam cerca de 30 milhões de descendentes. Segundo dados oficiais que embasaram o decreto, 96% dos 873,9 mil cidadãos italianos residentes no país nasceram fora da Itália.
Com a nova norma, a cidadania italiana por sangue só poderá ser transmitida a filhos e netos de italianos que tenham sido exclusivamente cidadãos italianos, excluindo casos de dupla cidadania.
Segundo o decreto, também poderá ser considerada italiana a pessoa cujo genitor tenha vivido legalmente na Itália por pelo menos dois anos ininterruptos após adquirir a cidadania e antes do nascimento do filho.
O decreto não afeta os pedidos já concluídos até o dia 28 de março, data do anúncio da nova regra. Quem obteve a cidadania antes disso mantém o direito.
A proposta é parte da agenda da coalizão da primeira-ministra Giorgia Meloni e foi apresentada como uma resposta ao aumento das solicitações de cidadania feitas por descendentes de imigrantes, especialmente na América do Sul. O governo argumenta que muitas dessas pessoas não mantêm vínculo com a Itália.
"É escandaloso ver a cidadania italiana à venda. É escandaloso ver o leilão de antepassados. Existem solicitações de cidadania ligadas a um antepassado que chegou ao Brasil nos anos 1850, da sexta geração", afirmou no plenário o deputado Giovanni Maiorano, do partido Irmãos da Itália.
Agências no exterior que auxiliam na busca por documentos e na entrada de processos judiciais são criticadas por integrantes do governo, que apontam uma "comercialização" da cidadania italiana.
Também há insatisfação com o fato de muitos interessados não se mudarem para a Itália, mas apenas buscarem facilidades para viver na União Europeia ou entrar nos Estados Unidos sem visto.
A aprovação enfrentou forte resistência da oposição, que apresentou dezenas de emendas, todas rejeitadas.
Parlamentares criticaram a forma adotada pelo governo, que usou um decreto com validade imediata em vez de apresentar um projeto de lei, procedimento que exige mais debate e tramitação mais lenta.
"Esse decreto é uma ferida profunda, dolorosa e injusta. Ele não nasce para responder a uma emergência, mas para construir uma barreira contra quem tem sangue italiano mas vive no exterior", declarou o deputado Nicola Carè, do Partido Democrático.
"As verdadeiras vítimas [do decreto] não são os espertinhos do passaporte [italiano], mas as famílias. Os filhos e netos de imigrantes italianos, a quem agora é dito 'você não é italiano o suficiente para merecer a cidadania do seu avô'", afirmou.
Setores da oposição já anunciam que entrarão com ações judiciais para contestar o decreto, que consideram discriminatório e em desacordo com princípios constitucionais.
A legislação italiana ainda permite a cidadania por outras vias, como tempo de residência (dez anos para estrangeiros de fora da União Europeia), casamento com cidadão italiano e nascimento na Itália, desde que haja residência contínua até a maioridade. Pais que obtenham a cidadania e residam legalmente no país podem transmiti-la a filhos menores de 18 anos.