
Governo quer isentar data centers estrangeiros e contraria discurso de soberania nacional

O governo brasileiro prepara uma Medida Provisória (MP) para criar um regime especial de incentivos fiscais voltado à instalação de data centers no país. A proposta, anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante conferência em Los Angeles (EUA), prevê isenção de tributos federais e desoneração sobre a importação de equipamentos.
Durante a 28ª Conferência Global do Instituto Milken, nos EUA, Haddad defendeu a nova política como parte de uma estratégia mais ampla de transformação ecológica e crescimento digital.
Embora ainda em fase de estudos, segundo o próprio governo, os principais pontos do plano já vêm sendo apresentados no exterior, especialmente a investidores do setor de tecnologia.
A meta declarada é atrair até R$ 2 trilhões em investimentos nos próximos dez anos. No entanto, até agora, não foram apresentados estudos públicos que sustentem a cifra nem análises sobre o custo-benefício da política para a sociedade brasileira.
Questionados pelo Intercept Brasil, os Ministérios da Fazenda (MF) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) não responderam se essas análises existem. Ambos afirmaram apenas que a proposta ainda está em elaboração.
Apesar disso, os detalhes da medida já são tratados como dados dentro do governo. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) solicitou acesso à minuta da política, porém recebeu resposta negativa sob a justificativa de que se trata de documento preparatório.

Favorecimento de empresas estrangeiras
A política de data centers propõe desonerações para equipamentos de tecnologia da informação, que compõem a maior parte dos custos de implantação.
Segundo dados da Brasscom, entidade que representa o setor, 62% dos investimentos iniciais estão associados à compra de equipamentos, sendo que 85% desses itens são importados.
Isso indica que o grosso dos investimentos previstos será canalizado para empresas estrangeiras, não para a economia brasileira.
Entre as poucas contrapartidas exigidas está a destinação de 2% a 8% da receita bruta dos data centers ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), além de garantir que 10% da capacidade de processamento de dados fique reservada ao mercado interno. Porém, especialistas alertam para a dificuldade de fiscalização técnica dessa última exigência.
Para José Renato Laranjeira de Pereira, cofundador do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin), a proposta contradiz o discurso oficial sobre soberania tecnológica. "Esse caminho de meramente dar incentivo fiscal para as empresas construírem aqui, para mim, não é a forma de se alcançar isso, de criar independência, nem técnica nem de infraestrutura", afirmou ao Intercept.
"Parece que é mais uma ânsia do Haddad de apresentar um plano do que qualquer outra coisa – é uma visão 'startupeira' da situação", disse.
A baixa geração de empregos é outro ponto que contradiz o discurso do governo. "Um data center em si gera pouco emprego", afirmou Uallace Moreira Lima, secretário do MDIC, em entrevista ao site Neofeed.
A afirmação é corroborada por exemplos internacionais. No Texas, o projeto Stargate empregou 1.500 pessoas durante a construção, mas contará com apenas 100 funcionários na operação regular, segundo a agência de desenvolvimento econômico local.
O impacto fiscal também é limitado. Um estudo da organização Good Jobs First revelou que ao menos dez estados dos EUA já perdem mais de 100 milhões de dólares por ano em incentivos concedidos a data centers, com pouco retorno para as comunidades locais.
Mesmo diante dessas evidências, o governo brasileiro não apresentou projeções sobre a real demanda interna por esse tipo de infraestrutura.
A ausência desse dado reforça a percepção de que o pacote é especulativo e beneficia mais as big techs do que a população brasileira.
Apesar do discurso ambicioso do governo em torno da política nacional de data centers, ainda faltam respostas a questões fundamentais, como o impacto real para a industria nacional e o numero de empregos gerados.

