
Cortes na USAID paralisa testes de HIV na África do Sul e ameaça vidas de mulheres e jovens

A África do Sul, o país com a maior taxa de HIV do mundo, está enfrentando uma grave crise em seu sistema de testagem e monitoramento da doença devido ao cancelamento do financiamento dos EUA, que até recentemente fornecia 17% do orçamento nacional para esse objetivo.
Desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, retirou a ajuda no início deste ano, os indicadores caíram drasticamente.

Dados do Serviço Nacional de Laboratórios de Saúde da África do Sul, obtidos pela Reuters, revelam que, em apenas dois meses, os testes de carga viral diminuíram em até 21% entre os principais grupos vulneráveis. As mulheres grávidas, os recém-nascidos e os jovens foram os mais afetados.
O teste de carga viral é essencial para monitorar o tratamento e reduzir o risco de transmissão. Sua ausência pode significar que uma pessoa abandonou o tratamento ou está transmitindo o vírus sem saber.
A África do Sul não dependia dos EUA para o fornecimento de medicamentos antirretrovirais, mas dependia dos norte-americanos para pagar por cerca de 15 mil profissionais de saúde financiados pelo programa PEPFAR, que fornecia mais de US$ 400 milhões por ano.
Esses profissionais forneciam testes, aconselhamento e monitoramento de pacientes, especialmente em distritos com alta taxa de HIV. No entanto, muitas das clínicas administradas por organizações não-governamentais e apoiadas por esses fundos fecharam.
Impacto evidente
Como explicou o epidemiologista Dvora Joseph Davey, hoje o país enfrenta falta de pessoal, coleta menos amostras de sangue e as mulheres grávidas não recebem mais medicamentos preventivos, como a profilaxia pré-exposição.
"O impacto é evidente", disse Davey, que trabalha em cinco clínicas públicas na Cidade do Cabo.
Em abril, os testes de carga viral caíram 17,2% em pessoas de 15 a 24 anos e 11,4% na população em geral. Entre as mulheres grávidas, o declínio foi de 21,3%, enquanto o diagnóstico precoce em bebês caiu 19,9%. Houve também uma redução na proporção de pessoas com o vírus sob controle, que caiu para 3,4% em março e 0,2% em abril - uma possível indicação de interrupções no tratamento.
"É um aviso do que pode acontecer no futuro"
François Venter, diretor do centro de pesquisa Ezintsha, em Joanesburgo, chamou os dados de "chocantes", apontando suas sérias implicações para a saúde materna e infantil. O Departamento de Saúde reconhece que a África do Sul já estava enfrentando problemas com o acompanhamento dos pacientes antes dos cortes, mas os especialistas dizem que o impacto está sendo minimizado.
Em Diepsloot, um subúrbio de Joanesburgo, a ativista comunitária Sophy Moatshe alertou que, sem uma equipe de monitoramento, muitos pacientes abandonam o tratamento por medo do estigma. "Se ninguém os monitora, morrem", afirmou.
Os cortes também afetaram as pesquisas, inclusive os testes de vacinas contra o HIV. O governo sul-africano afirma que está dialogando com os doadores para preencher a lacuna de financiamento, mas ainda não há soluções concretas. "A tendência de abril é um aviso do que pode acontecer no futuro", concluiu Davey.

