EXCLUSIVO: máquinas chinesas se adaptam melhor à realidade dos agricultores no Brasil, diz MST

Equipamentos inéditos no Brasil foram exibidos em SP, marcando um novo capítulo na luta por soberania e mecanização camponesa.

No coração da 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada no Parque da Água Branca, em São Paulo, um grupo de máquinas agrícolas discretas, mas potentes, atrai olhares curiosos e entusiasmados.

São tratores, colheitadeiras e plantadeiras fabricadas na China, que pela primeira vez são apresentadas diretamente ao público pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Mais do que uma novidade técnica, os equipamentos marcam uma virada histórica na estratégia de produção dos assentamentos e colocam em xeque a hegemonia das multinacionais que controlam o setor no Brasil.

Fruto de uma parceria direta entre o MST e empresas chinesas, a chegada dos maquinários representa mais que uma aquisição: é o início de uma revolução silenciosa na agricultura familiar.

Testadas inicialmente em projetos do Nordeste, essas máquinas foram desenvolvidas para a realidade fundiária da agricultura familiar brasileira - pequenas propriedades, diversidade de cultivos e cooperação comunitária.

Para Luiz Zarref, coordenador para a América Latina da Baobab (também chamada de Associação Internacional para Cooperação Popular), a escolha da China se deu por sua experiência histórica no desenvolvimento de uma agricultura camponesa mecanizada:

"A China tem hoje cerca de 240 milhões de estabelecimentos agrícolas, que ocupam 120 milhões de hectares. Isso só foi possível porque houve Reforma Agrária após a revolução de 1949. Essa base fundiária camponesa criou as condições objetivas para o desenvolvimento de máquinas voltadas para esse tipo de agricultura", disse Zarref com exclusividade à RT Brasil.

A estrutura industrial chinesa impressiona: são cerca de 8 mil fábricas de máquinas agrícolas, ligadas a quase 2 mil empresas - públicas, privadas, municipais e estaduais.

Essa diversidade possibilita o desenvolvimento de equipamentos com diferentes finalidades, potências e dimensões.

De acordo com Zarref, elas respondem bem à lógica da agricultura familiar: propriedades menores, produção diversificada e ciclos de tempo variados. É algo que a indústria brasileira, hoje dominada por oligopólios estadunidenses e europeus, não atende.

"Essas máquinas são muito importantes por dois princípios fundamentais para a nossa realidade no Brasil. O primeiro é a potência delas. São voltadas para escalas menores, estáveis e familiares. A segunda questão é a diversidade de máquinas, que não existe na indústria brasileira, para as diferentes etapas do itinerário técnico da produção agrícola”, afirma.

Zarref destaca que, no Brasil, até existem máquinas como colheitadeiras e tratores, mas de alta potência, voltadas à monocultura.

Já na China, a média do campesinato é de meio hectare por família, o que levou ao desenvolvimento de máquinas compactas e adaptadas à produção diversa.

"Mesmo na realidade dos dois hectares, essas máquinas de menor potência respondem muito bem às características da agricultura familiar, que são de diversidade da produção e também de diversidade na organização do tempo”, explica.

Diversidade mecânica para a diversidade do campo

Na feira, o MST apresenta apenas uma pequena amostra do que o parque industrial chinês é capaz de produzir. Há tratores com esteira para áreas alagadas, plantadeiras específicas para mudas de arroz com apenas 15 dias de germinação, além de microaspersores adaptados à fruticultura.

Essa diversidade é fundamental, de acordo com Zarref. Enquanto o agronegócio investe em máquinas gigantes voltadas à monocultura, as famílias camponesas precisam de equipamentos versáteis, que se encaixem nas múltiplas etapas da produção agroecológica.

Para o dirigente, a mecanização popular é um passo decisivo na superação do que ele chama de "crime estrutural" da ausência de tecnologias acessíveis à agricultura camponesa no Brasil.

Ele explica que é preciso romper com a lógica da dependência tecnológica e que as máquinas chinesas mostram que é possível construir um setor industrial comprometido com os interesses da soberania alimentar e da Reforma Agrária Popular.

A exposição dos equipamentos integra uma estratégia mais ampla do MST: a de transformar a Feira Nacional da Reforma Agrária em um espaço de síntese política, cultural e econômica do Movimento.

Assim como as marchas e ocupações, a Feira se consolida como um instrumento de diálogo entre o campo e a cidade, e entre os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.

"Nós sempre construímos a Feira em suas diversas dimensões: da cultura, da culinária, das bancas com diversos alimentos que são comercializados, da [editora] Expressão Popular, do próprio Brasil de Fato, e também dos seminários e do processo de formação política e diálogo", resume Zarref.

A exposição aconteceu entre os dias 08 e 11 de maio, com demonstrações abertas ao público e rodas de conversa.

Também houve o lançamento do documentário "Máquinas Chinesas, Terras Camponesas: tecnologia para alimentar o Brasil", elaborado pelo Brasil de Fato, durante a 1ª Mostra de Cinema da Terra.

De acordo com o Movimento, a Feira firmou a promessa de que a revolução no campo brasileiro agora também passa pelas engrenagens de tratores camponeses.