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Operação Berezina: como a URSS enganou os nazistas com unidade militar fantasma

Durante meses, o serviço secreto soviético usou comunicações falsas e oficiais nazistas capturados para sustentar uma das mais engenhosas farsas da Segunda Guerra, que drenou recursos alemães com envio de armas, agentes e suprimentos.
Operação Berezina: como a URSS enganou os nazistas com unidade militar fantasmaPublic Domain

Em 18 de agosto de 1944, após a derrota das tropas alemãs na Bielorrússia, a inteligência do Terceiro Reich recebeu informações de uma fonte considerada confiável de que uma unidade da Wehrmacht, com até 2.500 soldados, havia sido cercada pelos soviéticos nos pântanos próximos ao rio Berezina.

Segundo a mensagem, os soldados, leais ao juramento e ao Führer, não estavam dispostos a se render. O comando da unidade cercada estaria sob o tenente-coronel alemão Heinrich Scherhorn.

Era o início da Operação Berezino, plano montado pelos serviços secretos da União Soviética sob orientação de Joseph Stalin. O objetivo era enganar os alemães, criando a ilusão de que unidades suas ainda operavam na retaguarda soviética — forçando o inimigo a deslocar recursos para apoiá-las.

A Wehrmacht decidiu então mobilizar uma grande força militar para a retaguarda. Mas a unidade de Scherhorn não existia. O verdadeiro tenente-coronel, ex-comandante de regimento, havia sido capturado na região de Minsk e convencido a colaborar com os soviéticos.

Scherhorn passou a atuar com dezenas de ex-prisioneiros de guerra e antifascistas alemães, sob o comando de uma força-tarefa da inteligência soviética. Vinte soldados soviéticos armados com submetralhadoras foram designados para apoiar a missão.

A localização e os acessos do falso destacamento eram vigiados por patrulhas militares, e diversas peças de artilharia antiaérea foram posicionadas na área, camufladas para evitar detecção.

Primeira "presa" da emboscada soviética

Os alemães inicialmente não reagiram ao radiograma sobre a suposta “unidade alemã”, enviado pelo agente codinome “Heyne”. O agente era, na verdade, Alexander Demyanov, oficial do NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos, precursora da KGB), infiltrado na Abwehr, o serviço secreto militar alemão.

Após "confirmarem" a identidade de Scherhorn, os alemães ordenaram que Heyne retomasse contato e fornecesse coordenadas para um ataque aéreo, além de enviar um operador de rádio.

Na noite de 15 para 16 de setembro, três operadores foram enviados ao local indicado. Todos chegaram à base fictícia comandada por Scherhorn.

Relatos apontam que Hitler e Goering estavam cientes da existência da unidade e ordenaram esforços máximos para resgatá-la. Dois dos operadores capturados acabaram colaborando, confirmando por rádio a existência do grupo de Scherhorn.

Convencido da situação, o comando alemão iniciou intenso fornecimento de armas, munições, medicamentos e alimentos. Quatro aviões de transporte foram enviados. No primeiro mês, outros 16 agentes foram enviados ao local; alguns acabaram recrutados pelo NKVD e participaram do "jogo de rádio", sob supervisão do lendário espião soviético William Fisher, mais tarde conhecido no Ocidente como “Rudolf Ivánovich Ábel”.

O "sabotador n°1 do Reich" fracassou

O destino de Scherhorn passou a ser monitorado pelo coronel-general Reinhardt, comandante do Grupo de Exércitos do Centro. Mas a figura central no lado alemão era Otto Skorzeny, oficial da SS conhecido como “o sabotador nº 1 do Reich”.

Famoso pelo resgate de Benito Mussolini em setembro de 1943, Skorzeny enviou oito agentes à área sem informar Scherhorn da missão

A meta era infiltrar-se na região e confirmar a existência da unidade. Todos foram capturados; alguns passaram a colaborar com a operação soviética.

No livro “A guerra desconhecida: minhas memórias secretas”, publicado em 1975, Skorzeny conta como organizou o envio aéreo de suprimentos à unidade fictícia. Segundo ele, o plano recebeu o codinome “Freischütz” (“Atirador”) e envolveu o recém-criado batalhão Jagdverband Ost I.

“Comecei a trabalhar imediatamente e dei a essa operação o codinome ‘Freischütz’. O recém-criado batalhão Jagdverband Ost I recebeu a tarefa de executar esse plano. São formados grupos, cada um composto por cinco homens, dois alemães da seção especial de caçadores e três russos, provavelmente anti-Stalin. Todos os oito voluntários alemães falam russo”, escreveu.

Skorzeny também relatou o envio de quatro comandos de paraquedistas da SS em apoio ao fictício destacamento.

Mais tarde, o comando alemão sugeriu que a unidade se dividisse em grupos menores para tentar chegar à linha de frente. Isso foi “cumprido”. A partir daí, os alemães acreditavam lidar com três “unidades” diferentes.

Marcha heroica do grupo de Scherhorn

Enquanto os grupos se deslocavam para o oeste, continuavam recebendo suprimentos da aviação alemã. Relatórios justificavam os atrasos com a falta de comida e munição. O comando alemão também era informado de que os grupos estariam sabotando as tropas soviéticas.

A partir do fim de outubro de 1944, o alto comando alemão passou a pressionar Scherhorn para preparar pousos de aeronaves. Temendo que a farsa fosse descoberta, os soviéticos alegaram que a unidade estava sendo perseguida, impossibilitando a operação.

Com o avanço do Exército Vermelho em direção ao território alemão, a “unidade” de Scherhorn foi gradualmente sendo deixada de lado.

Desfecho da operação 

Em 1º de maio de 1945, os alemães informaram a Scherhorn sobre a morte de Hitler.

Quatro dias depois, ele enviou sua última mensagem via rádio:

A superioridade das forças inimigas derrotou a Alemanha. Os suprimentos que deveriam ser enviados pela frota aérea não puderam ser entregues. Com grande tristeza, somos forçados a suspender a assistência a vocês. Devido à atual situação, já não podemos manter contato por rádio. Independentemente do que ocorra no futuro, nossos pensamentos estarão sempre com vocês, que, em um momento tão difícil, estão frustrados em suas esperanças.”

E assim terminou a Operação Berezino.

Durante oito meses, os alemães enviaram grandes quantidades de armamentos, munição, alimentos e remédios para abastecer o inexistente “grupo Scherhorn”. Diversos agentes foram capturados e usados como instrumentos de desinformação.

Segundo documentos de arquivo, entre setembro de 1944 e maio de 1945, aviões alemães realizaram 39 missões de abastecimento, enviaram 22 oficiais de inteligência — todos capturados ou eliminados —, além de 13 estações de rádio, 255 carregamentos de suprimentos e 1.777.000 rublos soviéticos.