Entenda a atuação do Brasil na Segunda Guerra Mundial: 'a cobra fumou'

A participação do Brasil foi marcada pela "Força Expedicionária Brasileira", em que 25 mil voluntários lutaram, a milhares de quilômetros de sua pátria, nas batalhas do norte da Itália.

A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito armado da história da humanidade, envolvendo países de todo o mundo e forçando milhões de pessoas a se levantarem em defesa de suas vidas e de seu futuro. O Brasil, embora distante do centro do conflito na Europa, não ficou de braços cruzados e fez sua contribuição para a vitória sobre o fascismo e o nazismo.

A atuação do Brasil foi marcada pela "Força Expedicionária Brasileira" (FEB), em que 25 mil voluntários lutaram, a milhares de quilômetros de sua pátria, nas batalhas do norte da Itália, sendo o Brasil o único país latino-americano a participar do combate na Europa.

Vésperas da luta: da neutralidade à criação da FEB

Ainda antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, a política brasileira — e, acima de tudo, a economia do país — manobrava entre seus dois principais parceiros: os Estados Unidos e a Alemanha.

Uma das principais razões para o Brasil manter relações com a Alemanha nazista mesmo após o início da guerra na Europa era o chamado 'comércio compensado', que permitia ao país latino-americano comprar mercadorias alemãs a preços baixos, sem gastar reservas em dólares, em troca do fornecimento de matérias-primas.

Na época, o Brasil passou a ser o principal comprador de produtos alemães na América Laina, lembra o cientista político Aurimar Jacobino de Barros Nunes.

Para os lados do conflito, a importância do Brasil consistia em matérias-primas, que o país possuía, e sua posição estratégica, pois o território da nação verde-amarela era visto, segundo historiadores, como "uma possível rota de invasão alemã" do Hemisfério Ocidental a partir da África.

Mudança de posição

Até 1941, o Brasil tentava seguir uma linha de neutralidade, segundo Nunes. Contudo, desde o início dos combates em 1939 o país latino-americano já começou a fugir da Alemanha nazista e o país passou a ser cada vez mais impactado pela posição dos EUA.

O ano de 1941 foi o ponto de virada, que determinou a posição do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Após o ataque alemão à base norte-americana Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, o Brasil expressou solidariedade com os EUA, e, em janeiro de 1942, sediou no Rio de Janeiro a 3ª Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas, anunciando o rompimento das relações com o Eixo.

Antes da conferência no Rio, o Brasil iniciou uma colaboração com os EUA, permitindo que utilizassem as bases de Natal, Recife e Salvador, enquanto os navios americanos apareciam em águas brasileiras.

Afundamento de navios 

A resposta da Alemanha nazista à mudança da posição do Brasil não demorou a chegar. Já em janeiro de 1942, submarinos alemães conseguiram atacar navios brasileiros, objetivando restaurar a neutralidade do país latino-americano e impedir o fornecimento ativo de matérias-primas e alimentos para a Grã-Bretanha.

No total, até outubro de 1943, as forças nazistas afundaram 34 navios brasileiros, com 976 pessoas mortas ou desaparecidas.

O ataque alemão teve grande repercussão na sociedade brasileira e nos meios de comunicação, com manifestantes exigindo retaliação. O governo respondeu às aspirações populares, declarando a guerra contra Alemanha e Itália, em 31 de agosto de 1942.

Formação e atuação da FEB: a cobra fumou

Mesmo que o Brasil tenha declarado guerra, para realmente entrar no conflito, as Forças Armadas do país primeiro passaram por um longo treinamento.

Com essa finalidade, em 1943 foi criada, embora só no papel, a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que iniciou intensos programas de treinamentos, com apoio dos Estados Unidos, para ser enviada a Europa.

O maior obstáculo para o governo Vargas foi mobilizar cidadãos para combater nas tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Inicialmente, o comando militar projetou a formação de três divisões, totalizando 100 mil homens. Contudo, diante da escassa resposta da população jovem, o esforço realizado em apenas uma divisão, com 25.334 voluntários.

Conhecidos como "pracinhas" (apelido carinhoso derivado de "praça"), esses homens foram treinados e fornecidos com apoio dos EUA. A FEB integrou o 5º Exército dos EUA e, em 16 de julho de 1944 o primeiro escalonamento brasileiro chegou a Nápoles, na Itália.

O corpo brasileiro atuou sob o lema "a cobra fumou", sendo a imagem de uma cobra fumando o símbolo oficial da FEB. Segundo a explicação, enviada pela Agência Senado, essa era uma resposta àqueles que não acreditavam que o Brasil enviasse seus soldados diretamente para a guerra.

Principais Operações Militares

O início da atuação da FEB nas batalhas da Segunda Guerra Mundial foi marcado com ataque à Linha Gótica (última posição defensiva alemã ao sul do território ocupado) e seu avanço pelo Quinto Exército Americano (a que a FEB integrava) e Oitavo Exército Britânico. 

Como os brasileiros se mostraram bem nos combates, a FEB recebeu a tarefa de tomar o estratégico local ocupado por tropas alemãs - Monte Castello. 

Após quatro meses de batalha, os brasileiros conseguiram conquistar a posição, em 21 de fevereiro de 1945, marcando uma vitória simbólica.

No início de abril, o objetivo principal era romper a linha de defesa inimiga para que os soldados aliados avançassem mais na Europa.

Para o Brasil, a batalha mais importante desse período foi a Batalha de Montese, iniciada em 14 de abril de 1945. Foi um dos combates mais sangrentos da FEB, com 400 brasileiros feridos ou mortos, e derrotada na captura da cidade e sem avanço contra as defesas alemãs.

Após combates intensos e negociações bem-sucedidas, a FEB conseguiu a rendição em massa de tropas alemãs em Fornovo di Taro, capturando mais de 20 mil soldados inimigos.

A campanha brasileira na Europa terminou em 2 de maio de 1945, com a declaração do cessar-fogo na frente italiana. No total, o Brasil perdeu 465 soldados mortos, enquanto 1.577 foram feridos. A FEB libertou cerca de 50 localidades italianas.

Desmobilização e impacto da FEB

A FEB foi dissolvida no mesmo dia em que o primeiro grupo de pracinhos voltou para o Brasil, em julho de 1945. Contudo, apesar de sua existência curta, a FEB e sua atuação tiveram impacto específico no país.

Combater o totalitarismo

Segundo a Agência Senado, os "ventos democráticos" que vieram ao Brasil da Europa, em grande parte com a volta dos pracinhas, aproximaram-se do fim da ditadura de Vargas.

A chegada dos soldados da FEB "repercutiu junto à sociedade brasileira e influenciou os acontecimentos políticos que deram fim à ditadura varguista de 1930‑1945", destaca Nunes.

Em meio à pressão pela democracia, no fim da guerra, Vargas já vinha rendendo seus poderes ditatoriais, deixando a carga presidencial em outubro de 1945.

Modernização da economia e Forças Armadas

"A modernização e o reequipamento obtidos pelas Forças Armadas brasileiras com a participação na guerra são quase unanimidade nos trabalhos sobre a campanha do Brasil no conflito", escreve Nunes.

Além disso, o apoio e acordos com os EUA contribuíram para a industrialização do país.

Cultura e memória

A participação da FEB na Segunda Guerra Mundial transcendeu o campo de batalha, tornando-se um símbolo de identidade nacional e um marco na construção da memória coletiva brasileira.

Os pracinhas, muitos de origens humildes, foram retratados como representantes do "brasileiro comum" capaz de feitos extraordinários, que logo se tornaram "motivo de orgulho nacional".

As ações dos pracinhas inspiraram vários lugares de memória, como Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial,  Museu do Expedicionário de Curitiba e Monumento do Monte Castello no Brasil.

Na Itália, também foram abertos monumentos em memória das fachadas da FEB, como, por exemplo, o Monumento em Homenagem à FEB e a Piazza Brasile em Montese e o monumento Ordem e Progresso em Gaggio Montano.

Os corpos dos soldados mortos na guerra foram sepultados no Monumento Votivo Militar Brasileiro de Pistoia.

Escalonamento e reconhecimento

Muitos retornaram ao país sem apoio governamental, enfrentando pobreza e invisibilidade. No ambiente instável após a Segunda Guerra Mundial, a FEB ficou praticamente "apagada, desaparecendo como se nunca tivesse existido", destaca a Agência Senado.

Na década de 1980, após a queda da ditadura militar, os pracinhas até "passaram a ser mal vistos pela sociedade", acrescenta o veículo, citando o historiador Francisco Cesar Ferraz, da UEL.

Segundo ele, a FEB só passou a ser justamente reconhecida na sociedade brasileira a partir da década de 1990.

Atualmente, apenas 42 expedicionários estão vivos, segundo a Agência Senado. O mais novo tem 99 anos; o mais velho, 107.