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Como a CIA contaminou o açúcar cubano em uma operação clandestina da Guerra Fria

Os arquivos divulgados esta semana revelam uma operação dos EUA dirigida contra a URSS, realizada em agosto de 1962, às vésperas da Crise dos Mísseis de Cuba.
Como a CIA contaminou o açúcar cubano em uma operação clandestina da Guerra FriaCIA

Nesta semana, o governo de Donald Trump divulgou mais de 1.100 arquivos governamentais desclassificados sobre o assassinato do 35º presidente dos EUA, John F. Kennedy, em 1963. Entre os documentos, havia não apenas informações sobre o assassinato, mas também questões relacionadas às operações da CIA na Guerra Fria no Caribe.

Os arquivos lançam luz sobre uma operação secreta da CIA que ocorreu em agosto de 1962 em San Juan, Porto Rico, às vésperas de uma das mais sérias crises militares e políticas entre Moscou e Washington, conhecida como "Crise dos Mísseis de Cuba" ou "Crise do Caribe". Durante a operação, os agentes da CIA contaminaram 800 sacos de açúcar não refinado em um navio de carga que viajava de Havana para a União Soviética.

Como a CIA conduziu a operação clandestina?

"Por meio de fontes de agentes clandestinos, soubemos recentemente que um navio mercante da Europa Ocidental, em rota de Havana, Cuba, para Odessa, URSS, seria forçado a atracar em um porto do Caribe e descarregar temporariamente parte de sua carga para reparar pequenos danos no casco causados por um aterramento acidental", diz um documento da CIA, rotulado como ‘segredo sensível’ e datado de 29 de agosto de 1962.

"Foi determinado que este navio estava transportando 80.000 sacos de 90 quilos de açúcar cubano em bruto, enviados para Odessa, URSS, para serem refinados na União Soviética. Para aliviar o navio o suficiente para permitir reparos, foi necessário descarregar e armazenar temporariamente 14.000 dos sacos de açúcar de 90 quilos", continua.

Por meio de "uma operação clandestina, que não foi detectada e nem rastreada", os agentes da CIA conseguiram "contaminar 800 desses sacos de açúcar com um produto químico usado no processo de desnaturação do álcool enquanto os sacos estavam no armazém e antes de serem carregados de volta para o navio", afirma a nota, que teria sido endereçada ao general americano Edward Lansdale, pioneiro em operações clandestinas e guerra psicológica.

O plano era que os sacos impregnados contaminassem o restante, "tornando o açúcar impróprio para o consumo humano ou animal em qualquer forma", já que a substância usada pela CIA "daria ao açúcar um sabor amargo, doentio e indestrutível que nenhum processo poderia remover" e "não poderia ser detectado no refino". No entanto, a agência esclareceu que não se tratava de um produto químico perigoso para a saúde, mas "tinha um sabor tão forte que arruinava o gosto do consumidor por qualquer alimento ou bebida por um longo tempo".

"Essa contaminação bem-sucedida estragará toda a carga, cujo valor estimado para a URSS é de US$ 350.000 a US$ 400.000", sugeriram os funcionários da CIA. "O navio envolvido era o navio mercante britânico Streatham Hill. A operação foi realizada com sucesso, sem comprometimento, e nenhum funcionário associado ao navio tem conhecimento da operação", concluíram.

Cuba e URSS no meio da Guerra Fria

Após a vitória da Revolução Cubana em 1959, sob a liderança de Fidel Castro, as relações de Havana com Washington se deterioraram drasticamente. Nesse contexto, Cuba se aproximou da União Soviética, que começou a comprar o açúcar cubano e a abastecer o país caribenho com petróleo, alimentos, equipamentos, maquinário agrícola e outros bens. Além disso, iniciou-se uma estreita cooperação militar.

O envio de mísseis nucleares soviéticos para a ilha em agosto de 1962 desencadeou a Crise dos Mísseis de Cuba. Em 22 de outubro de 1962, o presidente dos EUA, John F. Kennedy, anunciou a presença de armas nucleares soviéticas na ilha. O mundo se viu à beira de uma guerra nuclear. Em poucos dias, as partes conseguiram chegar a um acordo diplomático: Moscou concordou em retirar os mísseis do Caribe em troca de garantias dos EUA de não agressão contra Cuba e do desmantelamento dos mísseis americanos na Turquia e na Itália.

Entre as décadas de 1960 e 1980, a URSS e os países do bloco socialista foram os principais parceiros comerciais de Cuba, respondendo por até 70% das importações e mais de 80% das exportações do país caribenho. Durante três décadas, Havana também recebeu ajuda financeira em termos favoráveis.

  • A liberação de aproximadamente 80.000 páginas de documentos inéditos foi possível depois que o presidente dos EUA assinou uma ordem executiva no final de janeiro para desclassificar arquivos sobre vários assassinatos na década de 1960: os de John F. Kennedy, seu irmão Robert e o líder dos direitos civis Martin Luther King Jr., enfatizando que "é de interesse nacional tornar públicos todos os registros relacionados a esses assassinatos, sem demora".