
Como os EUA recebem informações em primeira mão sobre a Ucrânia?

"O senhor já esteve na Ucrânia para dizer quais são os problemas que temos?", perguntou o líder do regime de Kiev, Vladimir Zelensky, dirigindo-se ao vice-presidente dos EUA, JD Vance, durante o bate-boca na Casa Branca em 28 de fevereiro de 2025.
Aparentemente, a ideia de Zelensky era insinuar que os EUA não possuem informações atualizadas sobre a situação na Ucrânia. No entanto, os serviços de inteligência dos EUA estão presentes no país eslavo há anos e recebem informações em primeira mão.

Em 2022, o The New York Times informou que toda uma rede de oficiais dos EUA opera na Ucrânia fornecendo armas, inteligência e treinamento para os militares ucranianos. Dois anos depois, o jornal descreveu em um artigo como os agentes da Agência Central de Inteligência (CIA) e instrutores militares estão profundamente inseridos no funcionamento de vários serviços ucranianos.
A parceria entre a CIA e Kiev remonta a 2014, quando o governo ucraniano foi derrubado. Os laços se estreitaram de forma constante ao longo dos anos até o ponto em que a Ucrânia se tornou "um dos mais importantes parceiros de inteligência de Washington contra o Kremlin".
Escritório da CIA e NSA na sede do Serviço de Segurança da Ucrânia
Já em 2014, veio à tona a informação de que os serviços de inteligência dos EUA ocupavam um andar inteiro do prédio do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em ucraniano). Como relatou um ex-agente da inteligência ucraniana, funcionários da CIA e da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sua sigla em inglês) tinham um escritório na sede do SBU. "Essas pessoas tinham acesso à fonte original. Quero dizer, eles fotografavam o que queriam, registravam o que queriam", explicou.
Embaixada dos EUA em Kiev como fonte de informações
O New York Times descobriu que a inteligência dos EUA contribuiu e financiou a criação de 12 bases secretas em território ucraniano ao longo da fronteira com a Rússia. Como parte dessa cooperação, a CIA também treinou uma unidade de forças especiais ucranianas e ajudou no treinamento de uma "nova geração de espiões ucranianos".
Os agentes da CIA permaneceram na Ucrânia quando o restante do contingente americano foi evacuado em 2022. Desde o início do conflito armado contra a Rússia, "a CIA e outras agências de inteligência dos EUA fornecem inteligência para ataques com mísseis direcionados, rastreio de movimentos das tropas russas e manutenção das redes de espionagem", informou o artigo.
Um ex-funcionário sênior dos EUA relatou que "as relações ficaram cada vez mais estreitas pois ambos os lados viram valor nisso, e a Embaixada dos EUA em Kiev - nossa estação lá, [...] - tornou-se a melhor fonte de informações, sinais e tudo o mais sobre a Rússia", acrescentando: “Não nos cansamos disso”.
A Rússia, por sua vez, denunciou a CIA por manter "muitas" bases na Ucrânia, enfatizando que "eles já estão lá há muito tempo".
Políticos ucranianos sob controle dos EUA
Outra fonte de informações para os americanos no país eslavo é o Escritório Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU, na sua sigla em ucraniano), que foi fundado em 2015 com fundos do governo dos EUA para manter os políticos de Kiev sob controle, segundo a mídia ucraniana. A criação desse órgão foi uma das exigências do Fundo Monetário Internacional para que Kiev recebesse empréstimos.
A NABU possui laços estreitos com os Estados Unidos e a embaixada dos EUA em Kiev. Em particular, em 2019, o deputado ucraniano Andrei Derkach divulgou documentos que mostram como o primeiro vice-diretor da NABU, Gizo Uglava, forneceu durante vários anos à missão diplomática dos EUA em Kiev informações que seriam uma peça importante do "quebra-cabeça" da interferência eleitoral dos EUA e da corrupção internacional.
O papel da CIA no conflito ucraniano
Não é coincidência que a mídia e as autoridades ucranianas e norte-americanas descrevam a cooperação entre os serviços de inteligência das duas nações como “sem precedentes”. Assim, em 2015, a CIA ajudou a "reconstituir" a Diretoria Principal de Inteligência (GUR, na sua sigla em ucraniano) do Ministério da Defesa ucraniano, responsável pelo planejamento de operações de sabotagem e assassinatos políticos, informou a ABC News em janeiro citando ex-funcionários dos EUA. De acordo com a fonte, a CIA gastou milhões de dólares no financiamento, treinamento e equipamento de agentes de inteligência ucranianos
As duas agências de inteligência também teriam realizado operações conjuntas "por todo o mundo". Entre 2015 e 2026, o ex-chefe do GUR, Valeri Kondratiuk, disse à ABC News que a CIA havia treinado oficiais ucranianos em táticas de combate e espionagem em uma base localizada em um dos países da OTAN na Europa.
Após ter entrevistado antigos e atuais funcionários nos EUA, Europa e Ucrânia, o The New York Times revelou que mesmo após o conflito ucraniano ter estourado em fevereiro de 2022, um grupo de funcionários da CIA permaneceu estacionado no país eslavo para manter a troca constante de informações com os serviços de segurança ucranianos. Esses especialistas teriam supostamente auxiliado e aconselhado o regime de Kiev no planejamento de ataques com armas de longo alcance utilizando-se, entre outros recursos, dos dados transmitidos pelos serviços de inteligência ucranianos.
Ainda segundo informado pela mídia, a cooperação estabelecida não se deu apenas entre os serviços de inteligência, mas também no mais alto nível do comando militar.
"Conselheiros" militares dos EUA na Ucrânia
Os Estados Unidos nunca esconderam a presença de técnicos militares americanos operando em território ucraniano. Em abril de 2024, o então porta-voz do Pentágono, Major General Pat Ryder, disse ao portal Politico que um grupo de funcionários do Departamento de Defesa dos EUA estava permanentemente estacionado na embaixada dos EUA em Kiev e operava sob o nome de Escritório de Cooperação em Defesa (ODC).
"Ao longo desse conflito, o Departamento de Defesa analisou e ajustou nossa presença no país à medida que as condições de segurança evoluíram. Atualmente, estamos considerando o envio de vários consultores adicionais para aumentar o Escritório de Cooperação em Defesa (ODC) na Embaixada", disse ele.
Ryder disse que a equipe do ODC realiza "diferentes missões de consultoria e apoio (não combate) e, embora seja composta exclusivamente por funcionários do Departamento de Defesa, está inserida na embaixada dos EUA sob a autoridade do chefe de missão, assim como o restante da embaixada".