'Parasita vivendo de dinheiro dos EUA': batalha no Ocidente e encruzilhada para a Rússia

O retorno de Donald Trump à Casa Branca teve o efeito de "uma mudança tectônica" que fez com que o chão sob os pés da OTAN começasse a tremer, afirma Fyodor Lukyanov, editor-chefe da revista Russia in Global Affairs.
O líder do regime de Kiev, Vladimir Zelensky, e os presidentes da França e dos EUA, Emmanuel Macron e Donald Trump, no Palácio do Eliseu, em 7 de dezembro de 2024.

As relações entre EUA, Rússia e a Europa estão agora em um estágio decisivo, que gera dois caminhos principais, opinou Fyodor Lukyanov, editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia.

Em um artigo recente, Lukyanov destacou que os europeus podem continuar abaixando a cabeça para Washington ou podem encontrar forças para se unir e resistir à pressão exercida por seu principal aliado.

Nesse contexto, o cientista político levantou duas questões: o que essa mudança de equilíbrio dentro do Ocidente coletivo significa para a Rússia; e que forma tomarão as relações geopolíticas entre os principais atores após o retorno do presidente dos EUA, Donald Trump, à Casa Branca?

Trump não tem interesse na Ucrânia

A volta de Trump ao governo dos EUA teve o impacto de "uma forte erupção vulcânica ou mudança tectônica", que abalou as estruturas da OTAN.

Segundo Lukyanov, é paradoxal que uma das causas do atual desentendimento entre EUA e Europa seja o conflito na Ucrânia, que, sob a administração de Joe Biden, foi tratado como "uma batalha global entre o bem e o mal".

"Trump não está interessado na Ucrânia, ele não vê sentido no envolvimento dos EUA nesse confronto, enquanto Washington tem outras prioridades, como China, América do Norte, possivelmente América do Sul, Ártico e, em certa medida, Oriente Médio", acrescentou.

O analista apontou que os riscos se tornaram tão altos que uma saída gradual do conflito tornou-se inviável. "Não é à toa que o governo Biden, até os últimos dias de seu mandato, enviou tudo o que pôde para manter a guerra em andamento", afirmou.

Lukyanov ressaltou que a mudança de política nos EUA levou a uma nova retórica sobre a Ucrânia e a Europa, refletindo o desejo do novo governo de se diferenciar da administração anterior.

Ele explicou que, enquanto a equipe de Biden via a Ucrânia como uma questão política central, o governo Trump tende a enxergá-la como "um país que vive às custas dos outros e deve seguir as ordens de quem o sustenta".

Para Trump, a Europa também seria "um parasita que vive como um rei com dinheiro americano" e não parte do Ocidente coletivo, mas sim do que o analista chamou de "Biden coletivo".

Lukyanov destacou que a unidade europeia foi diretamente ligada à criação do chamado Ocidente coletivo e ao conflito na Ucrânia. Com o retorno de Trump, no entanto, "a Europa está confusa e tenta garantir que pode enfrentar desafios sem os EUA, mas ninguém sabe como isso será feito", disse o cientista político.

Não se trata de "uma batalha pela futura ordem mundial, mas do fim da Guerra Fria"

Apesar do conflito na Ucrânia, a crise não unificou todas as potências europeias, o que representou "uma surpresa desagradável" para os EUA e revelou um cenário político global diferente do que Washington esperava.

Ao longo dos últimos anos, Moscou fortaleceu seus laços com países da Ásia, África e América Latina, e agora tem diante de si a escolha de retomar ou não o diálogo com o Ocidente, onde "uma batalha crucial para seu futuro" já está em andamento.

"Um dos lados [os EUA] achou vantajoso envolver a Rússia. Em certa medida, isso coincide com os interesses russos, mas o mais importante [para Moscou] é evitar ser arrastada para conflitos alheios", avaliou o analista.

Lukyanov destacou que, por razões históricas e culturais, a Rússia tem mais facilidade em negociar com europeus do que com representantes de outras regiões, mas alertou que o país deve pensar no futuro e resistir à "tentação de voltar aos bons e velhos tempos". Para ele, um retorno ao modelo tradicional de relações com o Ocidente significaria consolidar um cenário semelhante ao da Guerra Fria.

Segundo o analista, esse modelo manteria a Rússia presa aos EUA e ao Ocidente, enquanto o restante do mundo tenderia a buscar maior independência e diversificação de parcerias.

O conflito na Ucrânia, portanto, "não é uma batalha pela futura ordem mundial, mas sim o fim da Guerra Fria que dominou a segunda metade do século XX", afirmou.

"Uma solução política, militar e diplomática bem-sucedida para o conflito fortalecerá, sem dúvida, a posição da Rússia nos próximos anos", concluiu.